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segunda-feira, 22 de julho de 2024

O Bardo, aulas de redação e Sonhos de uma noite de verão

Vinte e três de abril é o dia de Shakespeare, conhecido como “O Bardo”, nome que se dava antigamente na Europa ao contador de histórias, lendas e mitos. Principal nome da literatura inglesa, Willian Shakespeare, nasceu em 23 de abril de 1564, em Stratford Upon Avon, perto de Londres. Morreu na mesma cidade, em 1616, também num 23 de abril. A coincidência do mês e dia do nascimento e morte é um arranjo cronológico. É que entre essas duas datas entrou em vigor o calendário Gregoriano, idealizado pelo astrônomo e filósofo italiano Luigi Giglio e instituído em 1582 por iniciativa do Papa Gregório XIII, com o objetivo de corrigir os erros do calendário anterior, o Juliano, criado em 46 AC por Júlio Cesar. Na implantação do calendário Gregoriano, o dia 4 de outubro precisou virar dia 15 de outubro. 

Confuso? Espera! O calendário anterior ao Juliano, o Romano, tinha 304 dias divididos em 10 meses, contados da fundação de Roma, em 753 AC. Para ajustar o tempo, Cesar implantou um ano de correção, com 15 meses e 455 dias. Vejam só! A partir do ano seguinte, o mês quintilis passou a se chamar Julho, em homenagem a Júlio Cesar. O sucessor, imperador César Augusto, mudou o nome do mês sextilis para Agosto, em sua homenagem. Não é de hoje que as autoridades se auto homenageiam. Dezesseis séculos mais tarde, com métodos de contagem do tempo mais precisos, o Papa Gregório XIII decidiu ajustar o ano civil ao ano solar e desde então vivemos sob a égide do calendário Gregoriano. Ele não criou um mês em sua homenagem, mas emprestou seu nome à própria contagem do tempo. Que confusão que deve ter sido nascer num calendário, depois viver e morrer em outro. Como ficaram os aniversários, o vencimento dos boletos e do cartão de crédito? Roma deve ter vivido tempos muito confusos.

            Voltando ao Dia de Shakespeare, não sei como são as aulas nos colégios atualmente. No meu tempo, lia-se muito e leitura valia nota. Ou lia, entendia e tirava nota, ou teria problemas para passar em Português. Não havia Internet, Google, Chat GPT, nem audiolivros. Existiam apenas apostilas e resenhas das obras relacionadas para o vestibular. Graças às professoras de português Myrna, Nilza e Yoko, aprendi a gostar de ler e escrever, ainda que na marra!

            Além da leitura, a escrita também era muito cobrada. Havia concursos de redação e de poesias. Eu era um tanto criativo no teor, mas sofrível na ortografia e gramática. Hoje, agradeço à Microsoft por ter criado o Word com corretor Hortográfico. Calma! Esse “H” é proposital, só para o corretor sinalizar possível erro. “Herrar é Umano”, diz o ditado, mas Dona Myrna não pensava assim. Descontava nota mesmo! As redações voltavam repletas de traços vermelhos.

            Ainda sobre Shakespeare, tenho umas lembranças. Primeira: Quem com mais de 60 anos nunca assistiu ou participou de declamações e encenações escolares de Romeu e Julieta, Hamlet ou outro texto do Bardo? Até no seriado de TV que minha geração assistia, o ator Adam West, na pele do Batman, citava Shakespeare mencionando o Ato e a Cena! Segunda: O apelido do ator Roberto Bolaños (O Chaves, da TV), era Chispirito (pequeno Skakespeare), por causa da baixa estatura e da facilidade de escrever textos. Terceira: Acho que foi em abril de 1970 que a professora (não era “tia” naquele tempo), instituiu o mês de redações inspiradas em obras do Bardo. Terror geral. Alguns não gostavam de ler, outros não gostavam das obras dele e outros tinham trauma pela escrita. Filé era um deles.

            O Henrique, tão magro que seu apelido era Filé de Borboleta, tinha trauma crônico de redação. O tema era “A Comédia em Shakespeare” e as redações individuais seriam lidas diante da classe, com votação para escolha daquela que representaria a turma na final do certame. Filé precisava de nota e passou um mês tentando ler e entender “Sonhos de uma noite de verão”. Produziu uma redação que mal ocupava uma folha de caderno tipo universitário, frente e verso e com letra gigante. Antes de entregar, pediu a opinião dos colegas.

            Um dos filmes famosos da época era “O planeta dos macacos” (1968) e nosso amigo Dunga não perdoou. Ele era o nanico da turma, normalmente calado, daí o apelido Dunga – o anão mudo. Também conhecido por “fotógrafo de bola rasteira”, Dunga era leitor voraz, muito bom de redação, extremamente crítico e sarcástico. Leu e releu a redação do Filé de Borboleta e antes de exarar o parecer técnico, perguntou: 

  • Você já ouviu falar no Paradigma dos Macacos?
  • Não. Nunca.
  • Esse paradigma sugere que, dado um limite infinito de tempo, 400 macacos escreveriam as obras completas de Shakespeare.
  • Nunca ouvi besteira tão grande – respondeu o Filé. 
  • Essa métrica se tornou padrão para comparar a qualidade dos textos.
  • Eu só quero saber o que você achou da minha redação.
  • 25 macacos, em 12 horas, escrevem coisa bem melhor!

Filé não entregou a redação e por pouco não levou pau em Português!

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

11 COMENTÁRIOS

  1. Excelente como sempre. Eu também tive professores rigorosos. Acho que o textos do chatGPT não passariam ilesos por eles e nem pela dona Myrna.

  2. Como sempre Laerte nos faz valorizar a boa leitura e a herança acadêmica que nossa geração soube aproveitar. Coitado do ensino (?) atual..

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