Já não aguentava mais o barulho que vinha daquela boca mastigando, da língua passando a comida de um lado para o outro dando estalos. Aquilo me dava arrepios e calafrios. Eu já tinha perdido a fome. Tentei sair disfarçadamente da mesa, mas aquela mão engordurada da coxa de frango que havia comido segurou meu braço. Me perguntou onde eu ia. Respondi que ia ao banheiro. Começou uma conversa unilateral comigo. Ainda havia um restinho de comida na ponta da língua, aquele que a pessoa dá mais uma mastigadinha de vez em quando, mas que nunca acaba. Os dentes exageradamente espaçados e projetados para fora, daqueles que obrigam a pessoa a fazer biquinho para conseguir fechar a boca, tinham restos de queijo grudados entre si e, de vez em quando, entre um perdigoto e outro, um pedacinho também “voava” na minha direção. Eu ficava tentando me esquivar, mas, vez ou outra, um deles acabava atingindo minha camisa. Senti um tocar o meu queixo. Tive ânsia de vômito, aquela coisa azeda subiu pela minha garganta, mas, antes que chegasse à boca, consegui segurá-la e fazê-la retornar para o lugar de onde veio.
Com muito custo, consegui finalmente ir ao banheiro, mas a mão não me soltou enquanto não chegamos à porta dele. Quis me acompanhar para mostrar o caminho, sem parar de falar um único minuto. Acho que me contou a história da família inteira, mas não consegui prestar atenção em nada. Assim que entrei, já fui direto para a pia, joguei água na cara, molhei um pouco os cabelos e a nuca. Enquanto isso, me aguardava na porta para me acompanhar de volta à mesa. Demorei bastante, mas ainda era aguardado incansavelmente. Me perguntou se estava tudo bem. Respondi que sim, que já estava terminando. Saí e fui recebido com um enorme e indigesto sorriso. Me deu azia. Na verdade, eu já estava sentindo, mas não na mesma intensidade que agora.
Antes que segurasse meu braço novamente, eu disse que precisava de um sal de frutas, pois havia comido algo que me fez mal. Seu semblante mudou, a simpatia exagerada virou raiva. Um ódio mortal. Me disse que era impossível que algo que comi pudesse me fazer mal, pois tudo foi feito com ingredientes frescos comprados nas lojas mais caras da cidade e com muito amor. Disse que eu não sabia o que era isso, que eu não tinha amor pela minha família e nem tampouco tinha educação. Me expulsou de sua casa dizendo que eu era muito grosso e mal-agradecido. Disse que não era para eu voltar nunca mais, pois não era mais bem-vindo. Saí aliviado e, sem querer, acabei deixando escapar um “obrigado”.
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Ótima crônica, parabéns.
Obrigado