Aquele dedo fino e gelado fazia repetidamente o sinal da cruz na minha testa enquanto o crucifixo do terço que estava enrolado entre os dedos balançava na frente dos meus olhos. Da boca ressecada, com cortes de frio e já quase sem nenhum dente saía um sussurro bem baixinho, não dava para entender nada, só um “ajuda o menino meu Deus” e um “tira o mal dele”. Era um ritual místico, fora da minha compreensão.
Eu era criança e ficava impressionado e até com medo daquele monte de imagens de santos num altar, Santa Bárbara, Cosme e Damião, São Sebastião, uma figa muito grande e uma carranca, vasos com espadas-de-são-jorge e outros com arruda. As “paredes” eram telhas de zinco, assim como o telhado, e estavam repletas de quadros de homens barbudos de turbante, Nossa Senhora, um com o rosto de Cristo, Pretos-Velhos e Iemanjá.
Minha mãe dizia que tem coisas que o médico não cura, ele manda dar remédio, mas não melhora. Tem coisas que não são para doutor, não são coisas da terra e dessas coisas eles não entendem. Ela tinha sua crença no Deus cristão católico, mas também acreditava em simpatias, promessas e benzeções. Achava que era preciso ter fé para curar, não importava qual fé. Quando a pessoa está com quebranto, mau-olhado, espinhela caída, vento virado ou sentido, a gente tem que apelar para tudo.
Naquele dia eu estava sendo benzido porque estava com vento virado, tinha tomado um susto e estava caindo muito e não estava comendo direito. No alto daquele morro, subindo aquele caminho de terra batida que deixava os calçados empoeirados, dentro daquele barraco de zinco, estava a minha cura.
A benzedeira disse que não tinha luxo, mas que nunca faltou nada. Ela não cobrava para benzer, só pedia que, se a gente pudesse, deixasse algum mantimento porque quem a pagava de verdade era Deus, dando saúde para que ela continuasse a viver e a ajudar as pessoas que a procuram quando estão aflitas.
Minha mãe até hoje acredita nessas coisas. Eu não sei se acredito ou não, acho que ainda tenho um pouco de medo. Não faz diferença, o que importa é que o meu vento nunca mais virou.
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