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segunda-feira, 9 de setembro de 2024

 37 –  O castigo

– Graça, para com isso…

Era Maria, pedindo para a amiga deixar Renato, o marido de Rosa. Ele e mais cinco amigos, que o haviam acompanhado na “expedição punitiva” que organizara, estavam nus e amarrados, em frente às moças. Graça brincava com uma faca, deslizando-a sobre o órgão genital de Renato. O homem suava frio, pois via nos olhos da moça uma crueza que o fazia tremer de pavor. Se imaginasse que terminaria assim, jamais teria ido atrás de sua esposa… mas como poderia esperar por isso? Eram apenas mulheres…

Quando reuniu o grupo de amigos para perseguir o grupo de mulheres, descreveu a “aventura” como algo fácil, tranquilo e prazeroso. Afinal, teriam três mulheres com as quais poderiam se divertir a  noite toda e, se lhes desse na telha, poderiam dar cabo das mesmas depois que não lhes servissem mais. Claro que essa “ideia brilhante” lhes ocorreu depois de secarem algumas garrafas de cachaça… mas além do fato de que as presas seriam fáceis de dominar, o dinheiro prometido por Renato aos amigos após o fim da expedição foi um incentivo e tanto. E assim que a noite caiu lá foi o bando de degenerados à caça do pequeno grupo de mulheres. Enquanto cavalgavam tão silenciosamente quanto um bando de gralhas, iam bebericando a cachaça direto da garrafa, que trocava de mãos toda hora. Mais ou menos umas onze da noite avistaram aquilo que lhes pareceu ser o acampamento das moças. Então, finalmente, resolveram se aquietar de verdade, para conseguirem tomar de assalto o local sem serem detectados… mas você já viu, alguma vez, um bêbado conseguir fazer alguma coisa sem barulho? E foi por isso que Maria percebeu a aproximação do bando e conseguiu acordar a amiga…

Como dois gatos, as moças deram uma volta, fazendo um circulo pelo local em que se encontravam, e se posicionaram atrás do grupo de homens. Estes estavam concentrados em surpreender as meninas dormindo e, como viram Rosa deitada perto do fogo e aparentemente outra pessoa dormindo ao seu lado, nem se preocuparam em ficar em alerta… esqueceram-se que haviam três, e não duas, mulheres sendo perseguidas. Quando estavam próximos de atacar Rosa, ouviram a voz suave, mas enérgica de Graça, ordenando que largassem as armas e levantassem as mãos. Claro que ninguém obedece de primeira, principalmente se estiver com algum teor alcoólico no corpo. Um dos amigos de Renato virou-se rapidamente, com o revolver em punho, mas um disparo certeiro fez com que a arma pulasse longe do  homem. Ato contínuo, todos levantaram as mãos, pois perceberam que a presa fácil não existia… o quase agressor segurava a mão, destroçada pelo disparo certeiro de Maria, que até então olhava abismada para sua arma… não conseguia entender como acertara o disparo daquela forma… aliás, era a segunda vez que disparava a arma e acertava seu alvo…

– Menina, você é rápida no gatilho, heim?!

Era Graça, admirada com a precisão de sua amiga. Era a segunda vez que a habilidade de Maria salvava sua vida…

Claro que, com toda essa confusão, Rosa acordou… e quando viu Renato e seu grupo de amigos, soltou um grito de pavor. Mas logo se acalmou, quando percebeu que as duas garotas tinham tudo sob controle…

– O que faremos com eles?

Era Maria, indagando a amiga….

– Sei lá… o que você sugere?

– Não sei…

Rosa olhou o grupo. O ódio surgiu de repente em seus olhos… pois lembrou-se que Renato a havia espancado mais cedo, e esses seu amigos não só incentivavam o agressor a ser mais violento como ainda diziam impropérios para ela…

– Por mim, eu capava todos eles…

– Sabe que gostei da sua ideia, Rosa?

Maria olhou assombrada para as duas…

– Graça, isso não tem graça…

– Maria, você acha que esse bando de imbecis queria fazer o que com a gente?

– Não importa… a gente não pode fazer isso…

– Não, é….?

Graça olhou para o grupo, que já começou a tremer na base, pois diante da ameaça, a bebedeira passou instantaneamente…

– Rosa, tenho umas cordas na minha sela… pega prá mim…

Rosa obedeceu e trouxe as corda que Graça pediu. Graça jogou as cordas perto dos homens.

– Pessoal, está muito calor, hoje… todo mundo sem roupa!

Os homens olharam para ela, sem entender. Então ouviram a ordem, novamente.

– Quem não quiser levar um tiro na cara, trata de ficar pelado… igual quando veio ao mundo…

Vendo que a mulher não estava para brincadeiras, trataram de obedecer o mais rápido que puderam…

– Nossa, cada um mais feio que o outro… parece um bando de porcos… barrigudos… barbudos… a quanto tempo será que não tomam um banho??!!

Os homens, nus, tentavam cobrir suas partes íntimas com as mãos… Graça debochou dos mesmos…

– Gente, podem ficar tranquilos… não estamos interessadas nisso, não…

Olhou para o mais velho do bando… devia ter uns quarenta anos, mas aparentava bem mais… e ordenou-lhe…

-Amarra seus amigos. Mas amarra direito, porque depois eu vou conferir e se não estiverem bem amarrados, vou te dar um tiro bem no meio da testa…

Não precisou repetir a ordem. Apavorado, o homem tratou de fazer o que ela mandou sem pestanejar. Quando terminou de amarrar o ultimo, ela fez um sinal para Rosa, para imobilizar o homem, como seus parceiros já estavam imobilizados. Terminada a ação, foi conferir um  por um, para não ter nenhuma surpresa desagradável depois… verificou todos, constatando que não havia nenhum perigo para ela ou suas amigas. Foi então que resolveu “se divertir” um pouco às custas dos mesmos… foi até sua sela, sacou uma faca da bainha, verificou seu corte, e começou a provocar o pavor entre os homens. Chegou em Renato, primeiro. Começou a boliná-lo. Olhava para o homem com deboche, se divertindo com a cara de pavor deste. Começou a circundar o saco escrotal com as costas da faca… e ria do pavor estampado na face do homem. Foi quando Maria resolveu intervir….

– Graça, para com isso…

Graça olhou para a amiga… Rosa, vendo que Graça parecia querer levar até o fim aquele ato, também resolveu pedir para parar…

– Moça, eu sei que esse cabra não presta… eu sei que ele merece até pior que isso… mas pelo amor de Deus, não faz isso, não…

Graça olhou para as duas, depois para o grupo de homens amarrados. E se dirigiu a eles, apontando-lhes a faca, como se fosse um revolver…

– Ouviram minha amigas, seus inúteis?  Deem graças a elas por tudo acabar por aqui, mesmo…  eu vou deixar vocês irem embora… mas nunca mais ousem abusar de uma mulher… porque eu vou ficar sabendo… e aí, não vai ter Cristo que vai me impedir de dar a vocês o que realmente merecem… estamos entendidos?

Os homens assentiram com a cabeça… mas Graça queira ouvir a voz da derrota dos mesmos… então repetiu a pergunta….

– Estamos entendidos?

-Sim, senhora… responderam todos em uníssono…

– Rosa, desamarra as pernas desse inúteis… só as pernas.

Rosa obedeceu. E ficou aquela fileira de homens nus, com as mãos amarradas nas costas. Então Graça voltou a falar….

– Vocês tem um minuto para sumir daqui. Quem ficar vai comer a grama pela raiz…

–  Mas a gente…

– Já não é mais um minuto… quarenta e nove… quarenta e oito…

Ao ouvirem a moça começar a contar, saíram em disparada, nus e descalços, pela noite adentro… Graça começou a rir… as outra duas permaneceram caladas…

38 – A sereia

Já era a terceira vez que Juvêncio examinava aquele local. Embora tivesse visto a aparição com seus próprios olhos, alguma coisa não o convencia. E não gostava quando algo parecia não fazer sentido. Não que manifestações sobrenaturais tivessem que fazer algum. Aliás, é por isso que eram assim chamadas. Então, para ter certeza de que não havia nenhuma explicação lógica para o que tinha visto, retornou ao local duas vezes anteriores, a primeira no dia seguinte ao ocorrido, quando teve que interromper a investigação para ajudar na captura dos ladrões de gado e a segunda, bem depois, na companhia de  Zacarias, que lhe contou algumas histórias sobre a região, mas nenhuma que tivesse ligação com o caso que ele estava investigando. Claro que agora, passado mais de um mês depois do evento, as chances de encontrar alguma coisa eram quase nulas, mas nunca se sabe… e assim, estava o investigador a estudar o local, a procura de qualquer indicio que lhe servisse de norte para as buscas que tinha que fazer. Quando chegou ao local o dia ainda estava amanhecendo, agora o sol começava a se esconder entre as montanha.

Juvêncio sentou-se sobre uma pedra, fez um cigarro e começou a fumar. O manto da noite caia sobre a terra e as primeiras estrelas, tal qual pedras preciosas, iluminavam o firmamento, emoldurando a lua que resplandecia no céu, linda e prateada. Era noite de lua cheia, novamente. Pensativo, o cavaleiro continuava a observar as águas do rio, tão serenas… e assim ficou, sem prestar atenção a passagem do tempo… num dado  momento, notou uma agitação sob a superfície das águas… então novamente a aparição surgiu. Novamente a estranha figura com cabelos de serpente, olhos faiscantes como brasa e língua bifurcada emergia das águas do rio. Então um estalo se fez na mente de Juvêncio… a aparição não era a “Encantada”, de forma alguma…. na verdade, era alguma outra coisa. Na falta de uma definição melhor, era uma sereia… afinal, quem disse que sereias tem aparência linda e maravilhosa?

Novamente a aparição transformou-se frente aos seus olhos, tornando-se uma linda moça, trajando um longo vestido branco. Ela não o havia notado, pois a pedra que havia escolhido ficava escondida por algumas moitas… e isso provava que a aparição podia não ser desse mundo, mas um fantasma também não era… que raio de fantasma era esse, que não conseguia perceber alguém escondido tão perto de onde surgira? A pergunta ficou martelando na cabeça de Juvêncio. Para descobrir mais sobre a aparição, resolveu segui-la… mas antes conferiu as câmaras de seus revólveres  e, por via das dúvidas, trocou a munição simples por balas de prata, que carregava em seu cinturão para usar em situações… especiais… como essa que surgia agora. Resolveu que se manteria escondido e só se revelaria se a aparição atacasse alguém. Caso contrário, continuaria  invisível para o estranho ser…

A mulher caminhava pela orla do rio, visivelmente impaciente. Estava a espera de alguma coisa, dava para notar. De qualquer forma, aparentemente ela não podia afastar-se muito do local onde surgira, pois embora caminhasse sem parar, sua caminhada era sempre em forma de círculo, e não saia de um certo perímetro… Depois de muito tempo… parecia ter passado uma eternidade… uma luz surgiu ao longe. era uma luz fraca, como a de uma lamparina prestes a se apagar. Ela foi se aproximando, até chegar bem próxima da mulher, quando então parou. A luz começou a brilhar intensamente, e foi tomando a forma de um ser humano, também. Juvêncio não conseguia acreditar em seus olhos, mas a nova aparição era exatamente igual à mulher que estava a sua frente. As duas estenderam as mãos e a… sereia… foi absorvendo a mulher de luz, até que as duas tornaram-se apenas uma, e então ela começou a caminhar para longe das margens  do rio. Juvêncio a seguia, com todo cuidado para não ser detectado. Não conseguia entender exatamente o que ocorrera, mas aparentemente estava presenciando uma deusa caminhando sobre a terra. Pena que não era uma deusa benfazeja…

Depois de algum tempo caminhando, a estranha mulher parou em um grande descampado. “O que será que vai acontecer agora,” pensou Juvêncio… bem, como não fazia a menor ideia do que iria ocorrer naquele local, não ficou tão surpreso quando a mulher transformou-se em uma bola de fogo e alçou os céus… “então ela é um boi-tatá”, pensou nosso amigo… e a única coisa que o preocupava agora era que não tinha meios para seguir a aparição… e, em consequência, não tinha como impedi-la de cometer atrocidades na noite… 

Depois de algum tempo, quando se sentiu seguro, deixou seu esconderijo e foi atrás de seu cavalo, Tornado, que estava livre em um lugar seguro, com pastagem farta e água limpa a vontade. Selou o animal e resolveu retornar ao vilarejo, pois mais não poderia fazer por essa noite. Enquanto trotava, ficou pensando em seu outro cavalo, já falecido, que o acompanhara por tanto tempo… Corisco, que como seu nome dizia, era rápido como um raio. Tornado também era um bom animal, mas ainda estava aprendendo a se portar… era filho de Corisco e, como o pai, era o próprio vento em marcha. No meio do caminho para a cidade, resolveu desviar  seu trajeto e dar uma parada na casa de seu Zacarias. Claro que, se ao chegar notasse que tudo estava apagado na casa de seu… amigo… ele não insistiria e continuaria sua caminhada. Mas se desse sorte…

Depois de mais alguns minutos de cavalgada, finalmente avistou a casinha simples de Zacarias. E, que coisa boa… havia claridade na casa, portanto ainda estavam acordados. É claro que não era muito educado de sua parte fazer uma visita aquela hora da noite, mas o tempo urgia… ele precisava de respostas… e aparentemente, Zacarias era a única pessoa que ele conhecia que as tinha…

Autora:

Tania Miranda

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