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terça-feira, 10 de setembro de 2024

24 – A despedida 

 – Está brincando comigo…

– Não, pai… estou falando sério…

– Sério?! Como pode estar falando sério, menina?…

– É verdade, pai… eu e a graça vamos procurar o Zé Ferreira…

– Tá ficando louca… só pode…

– Claro que não… a gente aceitou uma empreitada e vai em frente… não foi isso que o senhor me ensinou?

– A bancar a doida?

– Pai…

– Menina, me escuta bem… o que você e sua amiga querem fazer é loucura…

– Porque?

– Porque você não está pronta para isso… só por isso….

– Como assim, não estou pronta?

– Você acha que perseguir uma pessoa é assim? Você resolve que vai e pronto?

– Claro que não, né…

– Já pensou se tiver que sair no braço com ele? Vai apanhar que nem gente grande…

– O senhor só pensa o pior…

– Ué… acha que ele vai se entregar de boa para vocês…   é só dizer que o capturaram e ele vai vir que nem um cordeirinho…

– De repente…

– Acorda, menina…  ele sabe o que o Leôncio quer. E se você pensa que ele vai se entregar…

– Pai, a gente sabe disso. E nós vamos armadas…

– E você acha que carregar uma arma é suficiente?

– Acho…

– Tudo bem… vamos imaginar que vocês conseguem encurralar o sujeito…

– Certo…

– E ele reage e começa a mandar besouro sem asa prá cima de vocês…

– Besouro sem asas?!…

– Ele começa a atirar contra vocês…

– Bom, aí a gente se protege em algum lugar, né?… e espera a munição dele acabar….

– E acha que isso vai dar certo…

– Ué, claro que vai…

– E suas armas? 

– O que tem elas?

– Não vão usá-las?

– Só se for absolutamente necessário…

– Ah… quer dizer que ele mandando bala prá cima de vocês não torna necessário revidar…

– É perigoso… e se a gente o matar?

– Bom, se ele está atirando, ele está pensando em fazer isso com vocês…

– Eu…

– Está vendo? É sobre isso que estou falando… se você vai atrás de alguém, tem que estar disposta a usar de todos os meios disponíveis… para atacar e se defender…

Maria ficou calada por alguns instantes. Sabia que seu pai estava certo. Mas não queria dar o braço a torcer… em todo caso… se desse certo, poderia ir embora daquele fim de mundo, procurar uma vida melhor, onde teria condições de ter mais que um vestido de chita comprado a duras penas no natal… Graça estava chegando, toda paramentada. O cavalo baio que Leôncio disponibilizara para ela era realmente bonito, e era bom de corrida. Para Maria ele havia cedido um cavalo preto, cujo nome era Ventania. O baio era chamado de Corisco. Se eram rápidos mesmo ou se apenas o nome dava essa impressão, logo descobririam… graça desmontou em frente à casa de Zacarias e foi ter com a amiga. Zacarias balançou a cabeça, pois tinha medo que as moças enfiassem os pés pelas mãos…

– Está pronta?

– Estou me despedindo do meu pai…

Zacarias olhou para a garota…

– Graça, não acha que o tempo está um pouco quente para usar roupa preta? Com esse sol que vai fazer hoje, você vai cozinhar em cima do cavalo…

– Não se preocupa não, seu Zacarias… eu sei o que estou fazendo…

– Sabe mesmo? Sabe usar essa arma que está em sua cintura?

– Ué, é só apontar e puxar o gatilho…

Zacarias olhou primeiro para Graça, depois para Maria… não ia impedir a filha de sair, pois desde a mais tenra idade ele a ensinou a seguir seu coração… e não seria agora que ele iria cortar suas asas, mesmo sendo essa a vontade que sentia. Tinha medo que sua filha se machucasse na aventura em que estava se metendo… ele sabia que as duas moças não estavam preparadas para enfrentar uma situação desse porte… mas seu lema de vida era: ” é caindo que se aprende a levantar….”

Quando Maria ia montar seu cavalo, Zacarias a interpelou…

– Não vai verificar se sua arma está municiada?

– Mas, pai… eu sei que ela está carregada…

– Sabe, nada… verifica…

– Pai…

– Estou falando sério… verifica o tambor da sua arma…

Meio a contragosto, pois tinha certeza que sua arma estava carregada, Maria destravou o tambor e foi examinar as câmaras… ficou surpresa ao ver que não havia nenhuma munição na mesma.  Vendo isso, Graça resolveu verificar também… e sua arma também estava descarregada…

– Agora imaginem que vocês duas precisassem da arma e descobrissem na hora que ela estava sem munição… já pensaram na situação?

As duas moças ficaram sem resposta. Afinal, elas foram desatentas com seu equipamento, não podiam negar…

– Meninas, já que vocês resolveram fazer essa besteira, aprendam uma coisa… a gente sempre examina nosso armamento… confiar sem verificar é assinar sua condenação à morte…

As duas montaram e se preparavam para partir.

– Um ultimo conselho… fiquem sempre atentas e jamais deem as costas para seus oponentes… entenderam?

As duas assentiram com a cabeça…

– Então, vão… e que Deus as proteja…

Então as duas partiram, sem olhar para trás. Zacarias ficou ali parado, vendo as duas moças sumirem na linha do horizonte… e ficou pensando em que enrascadas as duas iam se meter…

25 – A primeira parada

– Ainda bem que esse toco não sai do lugar, né?

– Maria, não enche…

– Sério… se a gente dependesse da sua habilidade no laço prá se livrar de uma encrenca, a gente tava perdida…

– Como se você soubesse fazer melhor…

– Eu não sei… é por isso que a gente tava perdida…

Maria e Graça estavam acampadas a algumas léguas do arraial onde moravam. Resolveram fazer uma pausa em sua caminhada, para treinar um pouco com o laço e o revolver. Afinal, não sabiam usar nem uma coisa nem outra…

– Graça, posso te perguntar uma coisa?

– Pergunta…

– Porque é que você resolveu se vestir toda de preto?

– Jura que, se eu falar, não vai mangar de mim?

– Juro…

– É que ouvi falar que o Juvêncio está por essas bandas…

– Quem? Aquele mascarado?

– É… não ia ser demais se a gente cruzasse com ele por esse mundão?

– Não sei… mas o que ele está fazendo por aqui?

– Cassando algum bando de malfeitores, com certeza…

– Desde que não seja o Ferreira…

– Acho que não… o Zé Ferreira é peixe pequeno… ele costuma ir atrás dos tubarões…

Depois de errar pela centésima vez sua laçada, Graça faz uma pausa, para tomar o café que a amiga havia acabado de preparar. As duas ficaram por alguns instantes em silêncio. Novamente, Maria foi a primeira a puxar assunto…

– E a sua mãe?

– O que tem ela?

– Sabe o que você resolveu fazer?

– Vamos dizer que não contei toda a história… espero que sua mãe não dê com a língua nos dentes…

– Pode ter certeza que não. Minha mãe não é fofoqueira…

– Ainda bem que a sua família vai cuidar dela prá mim… e tomara que a gente ache esse cabra logo… preciso do dinheiro prá levar ela prá cidade grande… o doutor disse que quanto mais cedo levar ela prá um hospital, mais chances ela tem de sarar…

– A gente vai conseguir, você vai ver…

– Tomara Deus que sim…

– Será que ele é bonito?

– Ele, quem…

– O Juvêncio, ora essa…

– Não sei… deve ser… pelo menos é assim que eu imagino que ele seja…

– Mas porque é que ele usa aquela máscara, mesmo?

– Dizem que é sinal de luto… contam que quando ele era mais moço um bando invadiu o arraial onde ele morava e mataram toda a sua família. Ele não estava em casa, estava na lida de gado… quando chegou e viu o que aconteceu, jurou que iria pegar os responsáveis por aquilo… colocou a máscara e começou a perseguir os bandos de malfeitores que encontrava…

– E ele conseguiu se vingar?

– Quem vai saber? O certo é que até hoje ele continua a cavalgar por esse sertão, fazendo justiça para o povo…

– Será que ainda é novo?

– Dizem que tem mais ou menos uns quarenta anos…

– Já tá velhinho…

– Tá brincando, né?

– Brincando? É só você olhar as pessoas ao nosso redor… vinte e cinco, trinta anos… e já estão todos acabados…

– É, a vida no campo não é fácil… mas o Juvêncio não usa a enxada no seu trabalho…

E as duas ficaram caladas novamente. Graça pegou mais uma broa de milho e enquanto mastigava o alimento, sua expressão era de uma alma ausente. Maria ficou a fitá-la, se perguntando o que se passava pela cabeça da amiga. Em dado momento se perguntou sobre o que se passava em sua cabeça, uma vez que estava ciente de que não tinha nenhum traquejo para cumprir a missão que ela e sua amiga abraçaram… seu pai tinha razão… o que fariam quando encontrassem sua presa? Ela teria coragem de atirar contra o homem, se necessário fosse? Ou ficaria paralisada pelo pavor, uma vez que  simplesmente não suportava o barulho do estampido de uma arma? Não, tinha que tirar essas ideias malucas de sua cabeça. Já que havia decidido tomar esse caminho junto com a amiga, iria até o fim…

– O que a gente faz agora, Graça?

– Que tal dar uns tiros e ver se conseguimos acertar alguma coisa?

– Tá maluca…

– Não, é sério… a gente tem que melhorar nossa pontaria… vai que a gente precise usar a arma em algum momento…

– Espero que não…

– Maria, a gente vai ter que usar as armas… e vai ter que atirar contra quem estamos perseguindo….

– E você vai ter coragem?

– Mas é claro… quem está na chuva é prá se molhar, minha filha…

– Não sei…

– Olha, se quiser desistir, vai tranquila… a gente está perto de casa, ainda… agora, se resolver me acompanhar, tem que estar preparada para tudo…

Sem falar nada, Maria sacou sua arma e atirou… Graça ficou estupefata, sem entender o que havia acontecido. Maria estava lívida, todo o sangue de seu rosto parecia ter sumido de repente. Aos poucos a cor foi voltando às suas feições, e ela foi baixando a arma lentamente. Graça correu em direção à amiga, pois essa estava visivelmente em choque por sua ação…

– O que aconteceu,  Maria? Por que quase me matou, sua louca?

– Olha lá perto de onde você estava…

Graça se voltou e olhou… e ficou assustada, por um momento. A poucos passos do local em que se encontrava, uma serpente dava seus últimos trejeitos, com a cabeça estilhaçada pelo disparo de Maria… a garota acabara de salvar a vida da amiga…

– Uau…

Foi tudo que Graça conseguiu dizer… enquanto isso, Maria trocava a capsula deflagrada por outra…

– Menina, não sabia que você atirava tão bem assim…

– Eu não sei atirar… foi tudo de repente… eu vi a cobra armar o bote contra você…

– Graças a Deus que você acertou ela e não eu…

– Amém… vamos sair daqui…

Desmontaram o acampamento, guardaram suas coisas, selaram seus cavalos, montaram e partiram novamente, por enquanto sem nenhum rumo definido…   as duas cavalgavam em silêncio, pensativas… o primeiro obstáculo que enfrentaram veio em forma de uma serpente venenosa, que por pouco não fizera com que sua odisseia acabasse ali mesmo… não era um inicio muito promissor…

Autora:

Tania Miranda

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