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quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Levitação

Rosário estava preocupada. Afinal, já faziam três dias desde que os boiadeiros haviam ido para Poço Grande. E pela distância, já deveriam ter voltado. Será que aconteceu alguma coisa com eles? Será que alguma coisa os surpreendeu na serra… ou na mata? Ela ouvia tantas histórias, que tudo lhe dava receio, tudo lhe causava medo. Maria era mais tranquila, não se preocupava tanto. Pelo menos aparentemente.  Porque, por dentro, também estava preocupada com a demora de seu pai… ficou a tarde toda, depois que voltou da roça, na porteira, na esperança de ver seu pai e seus companheiros chegarem com o gado. Mas a tarde foi caindo, o sol foi se escondendo e nada dos homens aparecerem. Só depois que a noite baixou por completo, que a lua apareceu, majestosa, dominando o céu, emoldurada pelas estrelas é que Maria desistiu e voltou para sua casinha… sim, com certeza seu pai não iria chegar essa noite. Só lhe restava pedir a Deus que protegesse seu paizinho dos perigos da estrada. E perigo era o que não faltava por aquelas bandas…era um tal de Corpo Seco, Saci, Mãe D’água, Mula Sem Cabeça, Boi Tatá… sem falar do Papa Figo, da Loira de Branco… nossa. o que não faltava naquele lugar era assombração… de todos esse bichos, o que ela tinha mais medo, mesmo era da Loira de Branco… diziam que ela era uma mulher muito bonita e que ninguém conseguia resistir a ela… o problema era que matava a todos que se aproximassem dela. Mordia o pescoço da pessoa e sugava até a última gota de sangue…. coisa mais esquisita, sô… parecia com a bruxa, com a diferença que a bruxa chupava o sangue do umbigo de criança que não tinha sido batizada… Se ela tinha visto uma bruxa alguma vez? Não, só ouvira falar… mas só de escutar já ficava apavorada… imagine se algum dia tivesse o azar de se encontrar com um monstro desses… Não carecia nem da bruxa atacar… ela caia dura antes… mas não podia deixar sua mãe perceber que tinha medo. Precisava ser forte por ela e por sua mãe….

Maria tinha três irmãos, duas moças e um rapaz… Rosa Maria, que era mais velha, José Pedro, mais novo que a Maria, que era a segunda filha e Ana Maria, a caçula. Ah, sim, o nome da Maria era Margarida Maria… mas ela não contava para ninguém… não gostava do seu primeiro nome…. 

Seus três irmãos já estavam dormindo a algum tempo. Só estavam de pé ela e sua mãe. Mas devido ao adiantado da hora, e como tinham que pegar cedo na quadra de arroz no dia seguinte, acharam por bem se recolher, não sem antes rezar para que tudo corresse bem na viagem de seu marido e pai…

Logo as duas acompanharam o resto da família e já estavam ressonando. Um sono tranquilo, de respiração pausada… o sono dos justos, como se costuma dizer.

Sem nenhum aviso, Maria simplesmente deu um pulo em sua esteira… sentou-se, sentindo-se apavorada. Não sabia o motivo. Mas estava com medo… medo, não… pavor mesmo. O problema é que não sabia exatamente de que… sentiu seu cabelo se arrepiar e uma sensação ruim tomou conta de todo seu corpo. Tentou chamara sua mãe, mas a voz simplesmente não saia. Então, de repente, sem mais nem menos, a sensação de flutuar tomou conta de seu corpo. Começou a subir, ou pelo menos era essa a sensação que tinha… e começou a subir rápido. E quanto mais alto se sentia, mais apavorada ficava. Tentou chamar sua mãe várias vezes, mas simplesmente não conseguia. Então, num  átimo de segundo, lembrou-se do que sua amiga Graça sempre lhe dizia… “se se sentir perdida por qualquer motivo que seja, reze para Nossa Senhora, que ela vem te acudir”… e então a moça começou a rezar, com toda a fé que tinha em seu coração… começou com o Pai Nosso, depois  a  Ave Maria, seguindo um Crendospai, como diz o caipira… foi então que seu coração se acalmou e sentiu que estava descendo, voltando para sua esteira, novamente. Sua mãe estava em sua cabeceira, falando docemente com ela… quando finalmente voltou ao normal, sua mãe lhe disse que acordou com seus gemidos… só que, para ela, não eram gemidos… eram gritos de pavor…

Maria demorou a voltar a dormir… o medo de sentir-se flutuando,  novamente, era grande. O problema era que a sensação era apavorante…  mas finalmente, depois de muita oração, conseguiu cerrar os olhos e descansar um pouco…

Rosario ficou ao lado da filha por algum tempo, até que ela pegasse no sono. Ela ficou preocupada. Maria nunca tinha tido pesadelos, antes… e de repente, quase todos os dias a filha era atormentada por esses sonhos ruins. Ela ficou pensando no que poderia fazer… a única coisa que sabia era rezar… pensou um pouco e chegou à conclusão de que deveria procurar um benzedor… A casa estava precisando de ser purificada, pois as energias estavam muito pesadas… quando tudo começou, mesmo? A mulher ficou pensativa, tentando ligar o tempo… e chegou à conclusão de que desde o dia em que Maria e Graça ficaram presas na mata e tiveram que rezar para conseguir escapar, que os pesadelos começaram. Tudo que ela podia deduzir é que alguma coisa ruim seguiu a menina e estava ao seu lado… sim, era preciso benzer a casa, benzer a menina e expulsar a alma penada que estava querendo se encostar por ali… dali a dois dias seria sábado… então ela iria levar Maria na casa do “seu” Mané Benzedor…era o melhor rezador da região e com certeza conseguiria livrar sua filha daquele mal…

Autora:

Tania Miranda

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