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segunda-feira, 22 de julho de 2024

As Repercussões da Volta do Presidente Lula Sobre a Causa Palestina na América Latina.

Na tarde de domingo, primeiro de janeiro de 2023, o eleito presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva fez seu discurso de posse em Brasília, com presença oficial e popular, tornando-se assim o trigésimo nono presidente do Brasil desde a fundação da República em 15 de novembro de 1889, quando ocorreu o golpe contra o imperador Dom Pedro II no Rio de Janeiro, então capital do império. O presidente Lula ocupa o cargo pela terceira vez, já que venceu às duas anteriores 2003 – 2010.

A maior parte do discurso concentrou-se extensivamente na situação doméstica brasileira. Que se aproxima do discurso que fez em sua posse em 2003, mas esse discurso se destacou por atacar as políticas do ex-presidente de direita Jair Bolsonaro. A palestra começou falando sobre democracia, resgatar a esperança, construção e desenvolvimento do País, com foco nos direitos sociais, saúde, educação e valorização do salário mínimo. Ele também enfatizou seu sonho de uma pátria digna, enfatizando que seu governo trabalharia para dar oportunidades ao povo brasileiro e reduzir a pobreza.

No plano internacional, o Presidente Lula enfatizou em seu discurso que manterá sua abordagem anterior para o período 2003 – 2010 e manterá as relações do Brasil com todos os Países, lembrando que o Brasil deve ser dono de si mesmo e dono de seu destino, e deve voltar a ser um soberano. Ao mesmo tempo, destacou que o Brasil não continuará sendo um consumidor e exportador de matérias-primas, mas será e voltará a ser um elemento ativo na política internacional.

A presença foi marcante, representantes de 50 países participaram da cerimônia de posse, entre eles 17 chefes de estado, incluindo os presidentes da Alemanha, Portugal e o Rei da Espanha, além de vários países da América Latina, inclusive Argentina. Muitos outros países tiveram a participação de altos funcionários como os Estados Unidos, China e França. Do lado palestino, participou o chanceler Riyad Al-Maliki, que foi calorosamente recebido nos corredores da festa pelo presidente Lula e seu novo chanceler, Mauro Vieira, que pertence ao PT e foi embaixador do Brasil no Estados Unidos e Argentina, e antes de tomar posse foi embaixador na Croácia. A cerimônia de posse do ex-presidente Jair Bolsonaro em 2019, a Palestina não foi convidada, enquanto Israel participou com uma delegação de alto nível.

O terceiro milênio assistiu ao surgimento de uma identidade única do Brasil no sistema internacional, coincidindo com a ascensão ao poder do Partido dos Trabalhadores liderado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, devido à sua extensão e tamanho como um país continental como os Estados Unidos, Rússia, China e Índia. O Brasil é o quinto maior país em tamanho e população, com a área de 8.547.000 quilômetros quadrados, pouco menos da metade do continente sul-americano. Com uma população de 210 milhões de pessoas, na qual a força de trabalho constitui cerca da metade. Tem a maior economia da América Latina e a segunda maior economia das Américas depois dos Estados Unidos. O Brasil alcançou sob o presidente Lula para se tornar a sexta maior economia do mundo.

A região do Oriente Médio em particular, e a região árabe, em geral, foi considerado uma área de interesse da política externa brasileira durante a era do presidente Lula. A política externa brasileira se abriu para a região árabe há alguns anos. Essa abertura foi representada por grandes relações comerciais ligadas a interesses políticos comuns de alto nível, representadas pelo estabelecimento de uma cúpula sul-americana — países árabes (ASPA), que realizou várias reuniões periódicas. Como resultado dessas relações, o Brasil liderou uma campanha de reconhecimento do estado palestino nas fronteiras de 1967, tendo Jerusalém Oriental como sua capital no continente sul-americano.

O Brasil, como uma potência regional importante e fundamental globalmente, particularmente na América Latina, tem seus interesses na região, desde os aspectos políticos, econômicos e sociais, mas o que diferencia este país é a presença de uma grande comunidade árabe de cerca de 10 milhões de pessoas, especificamente do Líbano, Síria e Palestina, o que aumentou o interesse do Brasil, já que foi afetado pelos acontecimentos ocorridos na região.

O Brasil também é um país fundamental, com papel e relações diferenciadas com as partes em conflito no Oriente Médio, com os palestinos e israelenses. A questão Palestina também é considerada central na política externa brasileira e nos círculos partidários, em especial os partidos de esquerda. Também recebe a atenção da opinião pública brasileira, pois a maioria de seus habitantes são católicos, e Jerusalém representa para eles o centro da religião cristã.

O mandato anterior do presidente Lula foi um dos períodos mais importantes da história do Brasil em que a política externa brasileira esteve voltada para a situação Palestina. Pode-se dizer que aquele mandato foi o período áureo de profundidade e força das relações Brasil-Palestina. Esse período foi testemunha de várias iniciativas brasileiras para resolver a causa Palestina de forma justa, com base no direito do povo palestino à liberdade e independência e para estabelecer seu estado independente nas fronteiras de 5 de junho de 1967, incluindo Jerusalém Oriental, vivendo em paz lado a lado com o Estado de Israel.

O Presidente Lula desempenhou um papel essencial e importante no desenvolvimento da política externa brasileira. Ele tinha inúmeras características que o tornaram um excelente líder, essas características refletiram em sua política externa e alcançou sucesso em muitas áreas, elevou a posição do Brasil globalmente e fez do Brasil a sexta maior economia do mundo.

O presidente Lula teve uma personalidade carismática ao longo de muitas décadas de liderança de trabalhadores e sindicatos. Essa personalidade fez dele um grande líder com experiência e habilidades que o capacitaram a compreender as complexidades da política e das transformações internacionais. Durante os seus oito anos de mandato, conseguiu obter apoio interno para a implementação das decisões de política externa e saber até que ponto poderia prosseguir com a implementação dos objetivos mantendo o apoio público.

A política externa brasileira para a causa Palestina na era do presidente Lula se baseia em dois princípios:  

1 — os princípios da República brasileira declarados na constituição de 1988, como a difusão da democracia e a rejeição da injustiça e da ocupação.
2 — a constatação do ex-presidente Lula da real capacidade de poder do Brasil, sem subestimar ou superestimar, o que fez com que o Brasil buscasse a expansão em direção ao seu protagonismo internacional e participasse efetivamente do cenário internacional para efetuar mudanças na estrutura da ordem internacional.

No entanto, a causa Palestina foi relegada da agenda política externa brasileira sob o governo populista de direita do presidente Jair Bolsonaro, considerado um amigo leal do Estado de Israel. Ele tentou transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém e, durante seu governo, o Brasil se absteve e votou contra muitas das resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas em favor da Palestina, a última das quais se absteve de votar na decisão solicitar parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça sobre a questão da ocupação israelense dos territórios palestinos, dois dias antes de o presidente Lula receber a Presidência do Brasil.

Acredito que o Presidente Lula seguirá a mesma abordagem que seguiu quando assumiu a presidência do Brasil em 2003, e se concentrará nos assuntos internos brasileiros, que estão representados na conquista da justiça social e na melhoria da situação econômica. Ele trabalhará para restaurar a posição econômica do Brasil como potência global que o país alcançou ao final de seu mandato no final do ano de 2010. Essa conquista o levará mais tarde a avançar para a multipolaridade no cenário internacional. É possível que desta vez, diante das atuais mudanças internacionais, os Estados Unidos concordem com as demandas de reforma das instituições das Nações Unidas, que muitos países, liderados por Brasil, Índia, Egito e África do Sul, pedem para reformar a instituições da Organização das Nações Unidas (ONU) e a ampliação dos membros permanentes do Conselho de Segurança, que o Brasil busca para ser um de seus membros permanentes.

No plano palestino, o presidente Lula se engajará mais nas questões do Oriente Médio, em particular na causa Palestina. Minha expectativa é que ocorra uma crise entre o Brasil e Israel a partir desse engajamento, que será favorável à Palestina, pois o presidente Lula não ficará calado diante da imprudência do novo governo israelense, que contraria os princípios do Partido dos Trabalhadores, da constituição brasileira e as convicções do próprio presidente Lula. O presidente Lula não temerá as consequências dessa crise, que começou no final de 2010, quando o Brasil reconheceu o Estado da Palestina. Acredito, assim como a esquerda brasileira, que a crise ocorreu e resultou em um golpe contra o Partido Trabalhista (PT), no qual Israel e a direita brasileira fizeram, com o apoio dos Estados Unidos. Israel e seus apoiadores da direita brasileira participaram da retirada do PT do poder em 2016, por meio da destituição da presidente Dilma Rousseff, sucessora de Lula na presidência de 2011 – 2016, e da fabricação de acusações de corrupção contra o presidente Lula que impediram sua candidatura nas eleições de 2018, que levou à sua prisão por vários anos e ao cumprir 1 ano e 6 meses aproximadamente, o Supremo Tribunal Federal o absolveu após a derrota de Fernando Haddad, o candidato do PT das eleições 2018.

A liderança Palestina deve buscar ajuda da nova liderança do Brasil e da esquerda brasileira, especialmente do PT, o maior e mais influente partido da América Latina, para enfrentar a incursão israelense no continente latino-americano, que aumentou nos últimos anos e resultou na intenção de vários países de mudar suas embaixadas para Jerusalém. Vários outros se alinharam em torno de Israel na organização internacional da ONU, votando contra resoluções de apoio à causa Palestina, como a Guatemala, ou se abstendo de votar a favor do Estado de Israel, como Honduras, Uruguai e República Dominicana.

Autor:

Dr. Rasem Bisharat. Palestino e especialista em Assuntos entre Brasil e Palestina

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