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quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Do sertão para a cidade 

Adeus, morena, eu já vou indo pro sertão
Se eu não voltar, deixo contigo o coração
Sou Justiceiro, não tenho medo de ninguém
Enfrento tudo sózinho, só tenho medo do meu bem…
(Ted Jones)

Antes que alguém me pergunte, Ted Jones é o intérprete da “Balada do Justiceiro”, tema de uma novela radiofônica muito famosa na década de mil novecentos e sessenta… sim, eu sou dessa década. Pouco a pouco, vou entregando minha idade… mas voltemos à canção… como eu disse, a “Balada do Justiceiro” era tema da novela “Juvêncio, o Justiceiro do Sertão”, transmitida de segunda a sexta feira pela Rádio Piratininga de São Paulo, antes d’A Voz do Brasil. Por que resolvi falar sobre essa novela hoje? Não sei explicar… acho que é porque estava pensando sobre a dinâmica da vida e, de repente, num estalo, me veio à memória essa melodia, que me acompanhou por um bom tempo de minha infância. Sim, eram outros tempos, onde as ruas eram arborizadas e quase não havia asfalto pela cidade. As ruas principais eras calçadas com paralelepípedos. As demais, eram de terra, mesmo. Aos poucos, as ruas começaram a ganhar asfalto em sua cobertura, o que era bem mais prático… já viram como uma rua calçada de pedra é lisa e escorregadia em dias de chuva? Imaginem um carro tentando subir um morro calçado de paralelepípedo num dia chuvoso?..

A cidade, nessa década, era arborizada. As ruas, em sua maioria, eram de terra batida. Os muros, quando existiam, eram baixos, dava para uma criança pula-lo sem muita dificuldade. A maioria das casas usavam, à guisa de cerca, pés de flores de todos os tipos… a minha rua era assim. Na divisa do terreno com a rua, vários pés de Hibisco, de todas as cores. Babosa, hortênsias, dálias… até mesmo roseiras, faziam parte desta “cerca viva”…  sim, o mundo era bem mais colorido. Mas porque eu comecei falando da novela do Juvêncio, mesmo? Ah, é… me lembrei… estávamos vivendo uma época de transição, onde o homem saia do campo, do trabalho de vaqueiro para o de operário das fábricas que começavam a pipocar nos grandes centros… sim, até aquele momento a vida no campo era uma realidade. As fazendas, ao menos aquelas que conheci em minha infância, criavam vilas dentro de suas divisas, onde os colonos (era assim que os trabalhadores eram chamados) viviam com sua família, enquanto estivessem a serviço daquele fazendeiro. O arruado onde ficavam as casas dos trabalhadores não eram distantes do local de trabalho destes. Se a fazenda explorava a agricultura, normalmente os canteiros das plantações ficavam a menos de uma hora de distancia. Os empregados não tinham um salário fixo, ganhavam por produção. Quanto mais produzissem, mais ganhavam. É claro que o valor pago não era muito… mas conseguiam sobreviver. O fato de não terem que pagar aluguel pela moradia, já era uma ajuda muito boa. E os patrões procuravam sempre estar junto de sua peonada, para estreitar os laços de confiança. Muitas vezes patrão e empregado trabalhavam ombro a ombro nas plantações. Afinal, é o olho do dono que engorda o boi, não é mesmo? Falando em boi, nessa época ainda era comum o translado do gado através das estradas, com viagens que duravam dias até que a boiada fosse entregue ao seu destino final… fosse o matadouro ou outra fazenda. No meio do curral, a mangueira, onde toda manhã o leiteiro, o camarada designado pelo fazendeiro para cuidar das vacas lactantes, levava as reses e extraia seu leite, que tinha uma parte distribuída entre os camaradas, mas a maior parte da produção era para venda… o leiteiro, normalmente, era um vaqueiro já em fim de carreira.  Sua caminhada profissional era mais ou menos assim… o garoto começava ajudando a apartar o gado, distribuía sal e cana de açúcar nos cochos para as reses. Esse trabalho era feito pelas meninas, também. A próxima fase era a de ajudante do vaqueiro, quando aprendia como manipular as reses. Com o tempo, se tornava um peão, depois um peão de boiadeiro, se fosse bom o suficiente, ganhava a confiança do fazendeiro e então se tornava um boiadeiro, sendo responsável pela condução do gado e disciplina da turma de sua comitiva. Afinal, sem disciplina ficaria difícil conduzir o gado por dias e dias pelas estradas e rios… uma comitiva costumava ficar longos períodos longe da família e normalmente acampavam onde fosse possível… onde tivesse pasto e água para o gado e um local seguro para os vaqueiros…

Nessa época, a década de sessenta, muito da vida campeira já estava se modificando, tomando outros ares… se modernizando. Porém, a influência do campo ainda era forte. Estávamos com a indústria ainda dando seus primeiros passos, então a ligação do homem do campo, mesmo que vivendo nos centros  urbanos, era forte. E a maneira de suprir essa carência por aquilo que estava perdendo era, sem dúvida sua arte. A música sempre foi o amálgama que liga as pessoas a suas ideias e tradições. E naquela época isso era muito forte. A saudade da vida “saudável” do campo era forte. É claro que ninguém usava esse discurso naquela época. A prioridade era sobreviver. Mas a saudade de sua terra natal era forte. E a forma de matar um pouco essa saudade era reviver os costumes de seu passado não tão longínquo… as rodas de violeiros eram muito comuns. Quem sabia pontear uma viola e não tivesse vergonha de soltar a voz, com certeza tinha uma plateia para aplaudi-lo. Cateretês, cururus, rasqueados, toadas, catiras… gêneros musicais de todo o sertão eram comuns de se ouvir nessas rodas, geralmente regadas a cachaça, outra tradição sertaneja… ah, talvez vocês tenham estranhado por eu ter falado da violas, e não do violão… bem, o casal de instrumentos (era assim que os cantadores se referiam a eles) era usado nas apresentações, sem dúvida… mas o destaque era da viola, o violão era relegado a coadjuvante, servindo apenas para marcar o tempo das firulas dos violeiro com seu instrumento. Haviam, inclusive (e ainda há) canções que eram tocadas apenas com a viola… a “moda de viola”, como o próprio nome já diz, é um exemplo…

As mulheres participavam  principalmente com a sua culinária, replicando os pratos que aprenderam em sua infância. Mas também tinham sua arte como bordadeiras, costureiras… verdade que a carga de trabalho que lhes era confiado não lhes deixava muito tempo para se dedicar aos folguedos, mas sempre que sobrava um tempo, colocavam em prática aquilo que haviam aprendido no campo e passavam para sua prole suas histórias e costumes…

São sete horas e quinze minutos desta sexta feira de Carnaval… sim, hoje a noite começa a folia. Para quem gosta, boa diversão. Eu vou ficar quietinha em meu lar. A única coisa que gosto do Carnaval é do feriado…

Fiquem com Deus e que Ele nos conceda o mais belo de todos os dias que já vivemos em nossas vidas.

Beijos para todos….

Autora:

Tania Miranda

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