O golpismo político é marca registrada no Brasil. O próprio regime republicano nasce por meio de um golpe, ocorrido em novembro de 1889, liderado, coincidentemente por um militar, o Marechal Deodoro da Fonseca, quando o brasileiro Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga, o D. Pedro II, foi deposto e banido de sua terra natal. A esse golpe a História do Brasil nomeou ‘Proclamação da República’. Foi o fim da monarquia no Brasil.
Desde então sucessivos golpes continuam ocorrendo, de acordo a atender a vontade das forças políticas e, por tabela, os interesses do tradicionalismo/capitalismo.
Assim foi o de Três de Novembro de 1891, aplicado pelo mesmo marechal presidente, que fechou o Congresso Nacional e declarou Estado de Sítio, concentrando em si todos os poderes.
Depois, no decorrer da Revolução de 1930, para impedir a posse de Júlio Prestes como presidente, por onze dias, o Brasil foi governado por dois Generais e um Almirante que formaram ao que foi alcunhado de Junta Governativa Provisória de 1930, articulada por Getúlio Dornelles Vargas. Em seguida, no dia três de novembro de 1930, Getúlio Vargas foi empossado, de forma ilegal, pois não havia sido eleito pelo povo.
No decorrer dos primeiros quatro anos de governo de Vargas, a Constituição foi reelaborada e determinou a eleição indireta para o próximo presidente, o que favoreceu Vargas a prevalecer no poder por meio de outro golpe, em novembro de 1937, quando o Congresso Nacional foi fechado novamente, dando início ao que foi chamado de Estado Novo que vigorou até outubro de 1945.
Em 1945 Getúlio Vargas é também golpeado quando membros das Forças Armadas do Brasil e ministros do Estado Novo conspiram contra ele, que, forçosamente teve de assinar sua renúncia, o que ficou conhecido como Golpe Branco.
Após o Golpe Branco a democracia foi restaurada entre 1946 e início de 1964, quanto entre mortos, renúncias, afastados e depostos sucederam-se vários presidentes eleitos, quais sejam: Eurico Gaspar Dutra, Getúlio Vargas, Café Filho, Carlos Luz, Nereu Ramos, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros.
Passado esse curto período, foi organizada uma insurreição liderada por Castelo Branco e setores das Forças Armadas Brasileiras, em comunhão com o empresariado brasileiro contra o governo de João Goularte suas propostas que propunham transformações estruturais na esfera política e social, denominadas, à época, de ‘reformas de base’. A insurreição foi consumada em 31 de março de 1964 com a declaração, pelo Congresso Nacional, de vacância da presidência. Enquanto a cúpula militar decidia a substituição definitiva de João Goulart, o presidente da Câmara Paschoal Ranieri Mazzilli assumiu o governo. Em 15 de abril, Castelo Branco assume definitivamente o poder, sob a ditadura, que prosseguiu com Arthur da Costa e Silva/Junta Governativa provisória, Emílio Garrastazu Médici Ernesto Geisel e João Baptista Figueiredo. Todos do alto comando militar.
Interessante lembrar que todos os golpes tiveram como articuladores setores das Forças Armadas unidos às elites. A afirmativa não pretende desqualificar as instituições. É sabido que as mesmas têm a obrigação de proteger o país e ‘seu povo’. Assim, vale considerar que a democracia é aquisição do povo. Atentar contra ela é crime. Portanto, todos os que cogitam invalidar uma eleição estão cometendo atentado contra o país. Logo, precisam ser combatidos pelas forças armadas. E isso precisa valer, também, para presidentes. Ainda que militares eleitos.
A Carta Magna de 1988 entregou às Forças Armadas a função de garantir a lei e a ordem, o que significou, também, fissura de precedentes para que elas arbitrem conflitos entre os Poderes e entre a sociedade.
Por outro lado, não se pode negar que tensões/conflitos podem ser provocadas ‘de forma intencional’ para fazer transparecer a necessidade dessa arbitragem, ou seja, a sociedade é manipulada de forma instrumental a fim de justificar e favorecer golpes.
Exemplo disso foram as Fake News e milícias digitais tradicionalistas nas eleições de 2018 que se transformaram em físicas imediatamente a posse de seu líder e foram às ruas pedir o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, deixando claro que um circuito criminoso aspira o fim desses poderes no Brasil.
Do mesmo modo, isso tem ficado claro na questão das urnas eletrônicas e o voto impresso, no afronte ao Superior Tribunal Eleitoral (STE) e a ministros do Superior Tribunal Federal (STF) — e quando se ataca um ministro é a Corte que está sendo atacada — por parte do chefe do executivo central, desde o começo de seu governo.
Fato igualmente marcante é a quantidade de militares que compõe o governo, onde conforme dados do Siape/Atlas do Estado Brasileiro e Tribunal de Contas da União, saltou de 2765 em 2018 para 6157 em 2020.
Evidentemente que não se pretende desqualificar as Forças Armadas, pois isso feito seria imitar aqueles que tramam contra a democracia. Além disso o ‘presidente militar’ não representa o pensamento delas e elas conhecem seu papel institucional no país, principalmente o de impedir a violação da Constituição Federal.
Vale ainda deixar claro que a participação de militares no governo não significa a presença das Forças Armadas nele. Mas, como dito anteriormente, todos os golpes de estado foram marcados pela presença de militares em sua articulação. Que isso traz uma sensação de insegurança e medo não se pode negar.
Rondam conversas que mesmo com tantos militares no governo, o ‘capitão presidente’ não tem apoio de maioria do alto comando que lhe garanta emprego de golpe. Nem as forças armadas devem estar dispostas a aventurar-se novamente tal qual foi feito em 1964.
Porém, verifica-se recorde de compra de armas de fogo no pais. Ao mesmo tempo, é visível o comportamento do presidente instilando suas bases, o que pode despertar seus seguidores a uma milícia armada para defender seus convites desvairados, embora seja real o desejo de maioria da população pela manutenção da serenidade e da democracia.
Negar que há um movimento em torno de um golpe contra a democracia no país, é, no mínimo, ingenuidade, pois o governo instalado no Palácio do Planalto tem pregado isso em público constantemente. Pior: sob o nariz do Congresso, da Suprema Corte e todas as demais instituições guardiãs da Constituição.
Enfim, não se pode negar que um novo golpe está sendo gestado na república brasileira. E é possível que o nascimento do monstro, que em 1964 nasceu na Lagoa, ressurja na Barra da Tijuca no decorrer dos próximos quatorze meses.
É possível que algum leitor questione sobre os atos da República de Curitiba e do impeachment da outrora presidente Dilma.
Isso fica por conta da História e dos historiadores. Serão eles que deixarão registrado para a posteridade se foram golpes, ou não.
Autor:
Pedro Paulino da Silva, graduado em Ciências Sociais pela FAFI Cachoeiro de Itapemirim e Mestre em Educação pela UFES.
Feridas não cicatrizadas, e novas feridas a cada dia e assim vamos levando… até quando?