20.4 C
São Paulo
sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Família mosaico: “os meus, os teus, os nossos”.

“Outras coisas podem nos mudar, mas a família é o começo e o fim.” – Anthony Brandt

Após o fim de uma relação conjugal ou união estável, é comum que as partes sigam suas vidas em direção à caminhos opostos, muitas das vezes se relacionando com novas pessoas e criando vínculos afetivos que evoluem para relacionamentos, uniões estáveis e até casamento. Haja visto que não há demérito nenhum em buscar a felicidade em relacionamentos novos, desde que saudáveis e estáveis.

Nesse sentido, é comum que durante o relacionamento pretérito o casal tenha frutificado filhos. Os quais fazem parte das novas famílias de seus genitores, essas novas famílias podem possuir formatos múltiplos, tendo a denominação de “família mosaico”.

Essa nova relação geralmente ocorre pela situação de o pai ou a mãe ter um novo relacionamento e a pessoa com quem ele(a) se relaciona possui filho(s) de outro vinculo conjugal. Essa multiplicidade de vínculos afetivos é uma realidade dentro do cotidiano social que imerge no direito das famílias contemporâneo.

Para a Justiça brasileira existem algumas formas de judicializar essas novas relações familiares. Assim, uma forma possível é a adoção unilateral que consiste na adoção do padrasto, ou da madrasta, sobre o filho de seu companheiro. Entretanto, nessa situação ocorre a destituição do poder familiar do genitor para ser substituído por aquele que adota, proporcionando uma biparentalidade fática do filho com o parceiro do genitor biológico. Esse tipo de adoção possui uma espécie de caráter híbrido, permitindo que um dos genitores seja substituído.

Uma das situações que viabiliza essa substituição é o abandono do filho, haja vista que no Código Cívil, art. 1.638 II, tal abandono serve de causa para a perda do poder familiar.

Diante dessa situação, já é possível requerer tal direito e achar jurisprudências que corroboram para a adoção de unilateral e destituição de poder familiar:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. AÇÃO DE ADOÇÃO UNILATERAL CUMULADA COM DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. ADOÇÃO UNILATERAL PELO ATUAL COMPANHEIRO DA GENITORA DO INFANTE. COMPROVADA SITUAÇÃO DE ABANDONO E OMISSÃO DO GENITOR. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR DETERMINADA. ADOÇÃO DEFERIDA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. MEDIDA

QUE MELHOR ATENDE A PROTEÇÃO E INTERESSE DO MENOR. \Restando evidenciado que o genitor não reúne condições de assumir o poder familiar, havendo situação manifesta de abandono, descumprindo os deveres inerentes ao encargo, prevalecendo a proteção integral, os princípios da prioridade absoluta e do melhor interesse do menor, correta a sentença de procedência da ação para desconstituir o poder familiar no caso.\Inteligência dos artigos 1.638, II, do Código civil e artigo 22 e 24, ambos do

Estatuto da Criança e do Adolescente.\Por outro lado, verifica-se que a adoção é a medida que melhor atende a proteção e o interesse do menor, nos termos do artigo 43, do ECA, pois o autor, atual companheiro da genitora, é quem exerce o papel protetivo da figura paterna há anos, preenchendo todos os requisitos necessários aos cuidados do menino, tanto no aspecto emocional quanto material.\Precedentes do TJRS.\Apelação desprovida.

(TJ-RS – AC: 50111599420178210001 RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Data de Julgamento: 11/11/2021, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: 11/11/2021)

Por outro lado, existe casos de coexistência, com frequência o judiciário brasileiro vem reconhecendo a multiparentalidade. Segundo Maria Berenice Dias:

“Por exemplo, quando a criança mantém vínculo socioafetivo tanto com o pai biológico quanto com o novo companheiro da mãe. Nessa hipótese, em vez de ser deferida a adoção unilateral, se acrescenta mais um pai e os respectivos avós na certidão de nascimento. Pode haver, inclusive, a alteração da composição do nome, com a inclusão do sobrenome do padrasto. Deste modo, no registro vai constar o nome de três pais e seis avós.”

Essa multiparentalidade decorre da multiplicidade de vínculos que possibilita novas estruturas de convívio. Ocorre, nessa situação, diferente da adoção unilateral, que não se enseja a extinção do poder familiar. Logo, é possível a coexistência de diversos pais dentro do poder parental do filho. Lembra-se que o pai socioafetivo que está configurado na certidão de nascimento também pode dispor de deveres e direitos, como a prestação de alimentos e o direito de visitas.

Tal ideia é sustentada pelo Superior Tribunal de Justiça em Recurso Especial:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. RECONHECIMENTO DA MULTIPARENTALIDADE. TRATAMENTO JURÍDICO DIFERENCIADO. PAI BIOLÓGICO. PAI SOCIOAFETIVO. IMPOSSIBILIDADE.

RECURSO PROVIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer, em sede de repercussão geral, a possibilidade da multiparentalidade, fixou a seguinte tese: “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios” ( RE 898060, Relator: LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 21/09/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-

187 DIVULG 23-08-2017 PUBLIC 24-08-2017). 2. A possibilidade de cumulação da paternidade socioafetiva com a biológica contempla especialmente o princípio constitucional da igualdade dos filhos (art. 227, § 6º, da CF). Isso porque conferir “status” diferenciado entre o genitor biológico e o socioafetivo é, por consequência, conceber um tratamento desigual entre os filhos. 3. No caso dos autos, a instância de origem, apesar de reconhecer a multiparentalidade, em razão da ligação afetiva entre enteada e padrasto, determinou que, na certidão de nascimento, constasse o termo “pai socioafetivo”, e afastou a possibilidade de efeitos patrimoniais e sucessórios. 3.1. Ao assim decidir, a Corte estadual conferiu à recorrente uma posição filial inferior em

relação aos demais descendentes do “genitor socioafetivo”, violando o disposto nos arts. 1.596 do CC/2002 e 20 da Lei n. 8.069/1990. 4. Recurso especial provido para reconhecer a equivalência de tratamento e dos efeitos jurídicos entre as paternidades biológica e socioafetiva na hipótese de multiparentalidade.

(STJ – REsp: 1487596 MG 2014/0263479-6, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS

FERREIRA, Data de Julgamento: 28/09/2021, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/10/2021 RMDCPC vol. 104 p. 169 RSTJ vol. 263 p. 629)

Por fim, é possível perceber que o perfil da família evoluiu e a legislação e a jurisprudência estão caminhando para acompanhar essas mudanças. Fato é que as famílias mosaico são uma realidade, possuindo valores como respeito mútuo, colaboração e intuito de constituir família. Reconstruir relações familiares é estender os laços afetivos, multiplicar o amor e proporcionar um ambiente acolhedor e saudável.

Autor:

Pedro Henrique Jorge Lima OAB/PA 33.243

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Patrocínio