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quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Breves considerações sobre o papel do Advogado Criminal

Provavelmente todo Advogado criminal já deve ter se deparado com a seguinte pergunta “como você consegue defender essas pessoas?”. Bem, a resposta demanda a seguinte explicação.

Vivemos sob um regime democrático que preza em sua Constituição da República (1988) pela proteção de direitos fundamentais (inerentes à dignidade da pessoa humana) e constituem-se em direitos individuais, sociais, coletivos e políticos (artigos 5º a 17). A lista não é exaustiva.[1] Tais direitos cravados na Constituição da República são “testados” cotidianamente, como um termómetro democrático.

Dentre esses direitos estão aqueles que dão ao cidadão instrumentos necessários para uma correta, democrática e republicana defesa de seus interesses, principalmente quando este ou aquele cidadão está sujeito ao Sistema de Justiça Criminal. Estes princípios são essenciais, dentre outras situações, para que não haja abuso por parte do Estado, nos separando de um Estado Policial, ideológico e autoritário[2].

A nossa Constituição garante expressamente o direito ao devido processo legal (due process of law), porque “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CRFB/88, art. 5º, LIV). Como consequência temos os princípios do contraditório e da ampla defesa, garantias de igualdade entre a acusação e a defesa do cidadão, permitindo o contraponto ao juízo de imputação criminal feito pelo órgão da acusação oficial e também voltadas às possibilidades de se assegurar o pleno exercício defensivo (garantias de defesa pessoal e defesa técnica). Nesse ponto, o direito constitucional de acesso pela pessoa que sofre uma persecução criminal à defesa técnica feita pelo Advogado Criminal, em um processo penal democrático, compõe o pano de fundo de uma democracia.

O papel do Advogado criminal não é “livrar alguém da cadeia”, mas o de não medir esforços ao representar os interesses de seu constituinte contra as investidas do Estado, não importando a gravidade do crime, questões morais relacionadas ao autor do fato ou do “sabor” da opinião pública sobre o caso.

Como esclarece Robert Shapiro, em feliz metáfora, um cirurgião não faz menos que o seu melhor quando se depara com um agonizante desafeto justamente em sua mesa de cirurgia. Assim também é o Advogado[3]. O papel do Advogado Criminal é representar seu constituinte de maneira integral, nos estritos limites da legalidade e da plenitude de defesa, na medida em que o Sistema de Justiça Criminal brasileiro não se inicia com a presunção de culpa, mas conserva, até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o estado jurídico de inocência (CRFB/88, artigo 5º, LVII). Se em tese o cidadão cometeu ou participou do cometimento de um injusto penal, ele deve, dentro das regras constitucionais, ser investigado, processado e condenado. Se não cometeu nenhum injusto, deve ser absolvido. A responsabilidade criminal deve ser provada pelo órgão da acusação oficial além da dúvida razoável.

Na opinião popular, o processo penal democrático e o Advogado Criminal parecem carregar a pecha da impunidade, até o momento em que alguém próximo e querido é preso ou envolvido em algum caso criminal. Daí surge a preocupação: “onde estão meus direitos?”. A falta da adequada compreensão do papel do Advogado Criminal muito pode ser atribuída à mídia, com seus programas ficcionais ou reais sobre crimes e atuação policial, onde cotidianamente presenciamos buscas e apreensões ilegais, abusos físicos e psicológicos de suspeitos. Entretanto, deve-se ter cuidado com os julgamentos sumários ou morais, pois eles atropelam as possibilidades de um processo criminal justo.

Portanto, o papel e dever do Advogado Criminal é assegurar que a pessoa que está sentada ali, no banco dos réus, não permaneça sozinha, seja culpada ou inocente. É encerrar o papel intransigente de defesa dos interesses de seu constituinte. Questões outras, ligadas ou não a (pseudos) modelos criminais idiossincráticos, de mera repetição de ideário banal, sem qualquer lastro democrático, devem ser sumariamente rejeitadas, a bem do respeito a valores conquistados a ferro e fogo por um povo grandioso que é a nação brasileira.


[1] Sobre o tema “direitos fundamentais” ver: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37268/a-institucionalizacao-do-estado-de-bem-estar-social-como-direito-fundamental-de-quarta-dimensao

[2] Sobre o uso do “Direito Penal como instrumento ideológico” ver: https://www.pensamientopenal.com.ar/doctrina/49683-criminologia-del-otro-refuerzo-selectividad-penal-criminalizante

[3] SHAPIRO, Robert. The Search for justice. A defense attorney’s brief on the O.j. Simpison case. New York, Warner Books, 1996. p. 14.

Autores:

Diego Renoldi Quaresma de Oliveira é Advogado criminal, palestrante, professor e autor em âmbito nacional e internacional de livros e artigos publicados sobre Direito Penal e Direito Processual Penal. Se formou em Direito na Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos. Especializou-se em Sociologia pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul e cursa mestrado em Direito Penal na Faculdade de Direito da Universidade Nacional de Buenos Aires, Argentina.

Fernando Cesar de Oliveira Faria é Advogado, especialista e mestrando em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Nacional de Buenos Aires, Argentina.

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