Não é a primeira vez na história da República que a posse de um Presidente eleito é contestada duramente por seus adversários. Certamente os motivos aparentes diferem dos atuais, mas a questão central é a luta pelo poder, pelos interesses que possam estar em jogo, legítimos ou não, de parte a parte.
Antes das eleições, a disputa polarizada entre Lula e Bolsonaro satisfazia aos dois, que impediram o surgimento da chamada terceira via, com chance de vitória. Sabíamos que a guerra não se encerraria com o resultado das urnas, como não se encerrou.
Fatos recentes de manipulação e inconformismo estão vivos na memória de todos. Cabe-me alertar para os males que estão sendo infligidos ao país, de cura difícil e dolorida: Muitos brasileiros que se acham presos não participaram dos atos de vandalismo e foram detidos em arrastões policiais e estão pagando pelo que não fizeram, vítimas de vindicta, com a alcunha de “terroristas”, como identificados pela mídia, cumprindo seu ignóbil dever de vassalagem. Ferida que permanecerá aberta eternamente.
A intenção desta crônica é buscar na História situação que guarde com a atual similaridades, que tenham sido de difícil superação, mas que, por isso mesmo, revelaram figuras públicas que se tornaram ícones da nossa democracia e do nosso crescimento, cujos valores podem ser os indicadores para que encontremos o caminho da conciliação nacional, sem o qual não trilharemos as íngremes sendas do desenvolvimento social e econômico.
24 de agosto de 1954, a nação acorda com a notícia do suicídio do Presidente Getúlio Vargas, como desenlace de grave crise político-militar que o pressionava. Seus dois períodos de governo, o primeiro de 1939 a 1945 e o segundo de 1951 a 1954, foram responsáveis por importantes avanços institucionais e sociais e pela criação de importante infraestrutura econômica com criação de diversas empresas estatais.
Assumiu a Presidência o Vice-Presidente Café Filho. As eleições programadas para 3 de outubro de 1955 foram o fator desencadeador dos fatos a que me referi anteriormente. Eram candidatos: Adhemar de Barros, governador de São Paulo, Juarez Távora, general, Juscelino Kubitschek, governador de Minas Gerais, e Plínio Salgado, líder integralista. Venceu Juscelino com o apoio da ala getulista.
De pronto, sua vitória foi contestada. O argumento foi de que sua votação, 35,68% dos votos válidos, era inferior a 50%. Naquela época, a eleição se dava em apenas um turno, sendo, portanto, a alegação da necessidade da maioria absoluta de votos algo não previsto nas regras, impossível de alcançar com tal número de candidatos.
Instala-se a crise. Contrários à posse do eleito, os militares que defenestraram Getúlio e os candidatos vencidos. Golpe era o que queriam e o que puseram em movimento.
O Presidente Café Filho sofre ataque cardíaco e o governo passa a Carlos Luz, como Presidente da Câmara dos Deputados, já comprometido com os golpistas que tramavam contra a posse de JK. Em poucas horas, Luz é considerado impedido pela Câmara, após desentendimento com o Ministro da Guerra, Henrique Teixeira Lott, que se demite e passa a organizar a resistência democrática ao golpe. Assume a Presidência o deputado Nereu Ramos. A crise transbordou do tabuleiro político e alcançou a área militar. O deposto Carlos Luz, o Jornalista Carlos Lacerda e outros personagens abrigaram-se no navio Tamandaré, cujo comandante alinhava-se também com os contrários à posse de Juscelino.
O que não se esperava era que o austero e circunspecto Marechal Lott, Ministro da Guerra que se havia demitido por desentendimento com Carlos Luz, aparecesse no cenário, desse um soco na mesa e avisasse, “o eleito vai tomar posse”. Colocando as forças nas ruas, Lott ganhou a aposta! Juscelino assumiu a presidência, em 31/01/ 1956, para um mandato de 5 anos.
Movimentos de insubordinação no meio militar continuaram a tramar a derrubada do governo: são conhecidas as revoltas frustradas de Jacareacanga, 1956, e Aragarças, 1959.
Os envolvidos sofreram as penas previstas para o tipo de ação que tomaram, mas pouco tempo depois o Presidente os anistiou.
A entrega que Juscelino fez à Nação superou largamente a promessa do “crescimento de 50 anos em 5 de mandato”. Mas, além de tudo, pela experiência de democracia que deu ao país.
O porquê desta crônica? Para alertar-vos, raivosos de hoje, uns inconformados em busca do poder, outros com o gosto da vingança na boca, que seus tempos passarão e que assim não deixarão obras significativas, principalmente no desarme do coração do povo.
Mirem-se nos melhores, desliguem-se dos seus radicais, úteis para fazer barulho, mas que não contribuem para governos produtivos.
As obras do ódio são castelos de areia, que o vento da lucidez logo desfaz. Enquanto duram, trazem desgraças e milhões de mortes. São exemplos o Nazismo e o Comunismo, cujos pressupostos ideológicos permitem prever o custo insano por fátuos resultados.
Aos verdadeiros estadistas: Fiquem a distância prudente dos radicais – tirem da agenda os tiranos, os violentos, os autocratas. Eles tentarão subordiná-los!
Desempenhem-se, líderes, com a orientação dos cérebros e a inspiração dos corações. Não governem com os fígados, os deixem sadios para as oblações com o bom vinho das vitórias em que todos ganhem, as únicas verdadeiras!
Crônicas da Madrugada
Brasília, janeiro, 2023
Autor:
Danilo Sili Borges.
Membro da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA
Diretor de Ciências do Clube de Engenharia de Brasília