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segunda-feira, 22 de julho de 2024

TRABALHADOR DO CAMPO SEM REGISTRO DANO MORAL IN RE IPSA

No relatório anual – Justiça em Números 2020 – publicado pelo Conselho Nacional de Justiça, houve um aumento considerável do assunto verbas rescisórias de rescisão do contrato de trabalho, dados obtidos até 25/08/2020. 

Os dados refletem os impactos da pandemia sobre o mercado de trabalho brasileiro, que foi responsável em grande para o aumento das demandas, visto que a crise financeira e econômica ocasionada pelas medidas de prevenção e controle do coronavírus, atingiram diretamente o caixa de milhares de empresas, que tiveram que encerrar suas atividades diante da forte recessão econômica imposta.    

Nesse cenário, muitos trabalhadores tiveram que reivindicar direitos básicos como saldo de salário, Aviso Prévio, 13º salário, Férias, 1/3 férias e FGTS, através da justiça do trabalho, algo muito comum no meio urbano, tendo em vista a grande quantidade e facilidade de acesso aos escritórios de advocacia. 

Porém, o mesmo não ocorre com tanta frequência na zona rural, onde geralmente a prestação do serviço ocorre em Fazendas localizadas longe das cidades, o que dificulta o acesso do trabalhador a uma prestação jurisdicional adequada.

No Mato Grosso existem aproximadamente 120 mil unidades produtivas, que empregam milhares de trabalhadores que laboram sem registro em carteira, sem salário digno, sujeitos à condições precárias de trabalho e de moradia, sem o mínimo essencial necessário para uma vida digna, ou seja, em condições reconhecidamente análogas à escravidão, o que contrasta com a realidade da riqueza gerada pelo agronegócio do Brasil. 

Recentemente, nosso escritório atuou num caso de uma mulher, que trabalhou como cozinheira numa fazenda ao norte do Estado, e que havia sido demitida em razão da gravidez, sem saber que tinha direito à estabilidade prevista no artigo 10, inciso II, alínea b do ADCT. Outro caso, envolvia um trabalhador que trabalhou mais de 15 (quinze) anos sem registro em carteira, e, ao ser demitido, não recebeu nenhum tipo de verba rescisória ou indenizatória do empregador (considerado um grande produtor rural da região de Sapezal, a oeste do Estado). Casos assim se repetem todos os dias em nosso país e retratam uma realidade existente nas relações de trabalho – o dano moral in re ipsa.  

Recentemente a Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), entendeu que houve abuso de direito no caso de um empregado da fazenda, que ficou por cerca de 15 anos trabalhando sem anotação na CTPS e sem o recolhimento das contribuições previdenciárias e do FGTS, e manteve a condenação em danos morais ao empregador, o que demonstra um avanço da tese do Dano Moral in re ipsa na seara trabalhista, tendo em vista o superado entendimento de necessidade de comprovação do dano nesses casos. Veja:

DANO MORAL. AUSÊNCIA DE ANOTAÇÃO DA CTPS E DE RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. CONTRATO DE TRABALHO DE LONGA DURAÇÃO. INSEGURANÇA DO EMPREGADO. CONFIGURAÇÃO. A anotação da CTPS e o respectivo recolhimento das contribuições previdenciárias constituem garantia ao trabalhador do reconhecimento do vínculo empregatício, do tempo e das condições da prestação dos serviços, bem como da percepção de benefícios de seguridade social. Embora a ausência das referidas garantias não configure, por si só, dano moral passível de indenização, o fato de o contrato de trabalho ter perdurado por muitos anos sem a devida formalização certamente gerou insegurança ao empregado quanto à sua situação presente e futura, pelo que se pressupõe ofensa à dignidade do obreiro. Nesse caso, é devida ao trabalhador a indenização pelo dano moral sofrido, ante ao abuso de direito por parte do empregador. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010598-51.2018.5.03.0041 (RO); Disponibilização: 08/08/2019, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 994; Órgão Julgador: Segunda Turma; Relator: Maristela Iris S.Malheiros).

Em que pese a opinião contrária dos adeptos à desburocratização das normas trabalhistas para incentivar o desenvolvimento econômico do país, o que não se admite em um Estado Democrática de Direito, é o retrocesso, ou seja, o que se combate aqui é uma Exploração de Mão de Obra em prol do “desenvolvimento”. Dizer que um país é desenvolvido enquanto seus trabalhadores vivem uma vida de miséria com o salário que ganham, não é digno para nenhum tipo de sociedade seja ela desenvolvida ou não.
É preciso conscientização dos operadores do direito e da sociedade como um todo, do respeito aos direitos básicos do trabalhador consagrados na Carta Política de 88 e em normas infraconstitucionais, para que haja verdadeiro desenvolvimento econômico e social do país. 
A realidade mostra que há muito que fazer, e a solução seria novo posicionamento da doutrina e jurisprudência quanto à necessidade de reconhecimento da existência do dano moral in re ipsa nos contratos de trabalho, bem como, a aplicação de multas e indenizações mais pesadas com intuito e caráter pedagógico desestimulador da conduta do mau patrão, tendo em vista que a prescrição faz perecer diversos direitos do trabalhador de boa-fé, que dedicou uma vida inteira, e, principalmente, sua força de trabalho, a um empregador desonesto, que, ao final, acaba se beneficiando do tempo de serviço prestado, já que muitos direitos do trabalhador são perdidos com o passar do tempo. A discussão do tema é relevante e atual, e demonstra que há muito a se fazer para se alcançar uma sociedade justa e plenamente desenvolvida. 

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