24.7 C
São Paulo
terça-feira, 23 de julho de 2024

Autoras e Personagens Fora do Comum

Eu gostaria de tomar espaço para falar sobre minhas leituras e personagens desse ano. Foram tantos, tantos e tantos que, quando contei retrospectivamente, me surpreendi, pois foi tudo tão natural, como tomar banho todo dia ou fazer compras no mercado, seja levando meses ou semanas ou dias para terminar um livro. Com um orgulho quase egóico, declaro que consegui chegar em um momento da minha vida que ler se tornou um hábito.

Finalmente, tenho em minha rotina um momento que acordo, tomo meu café, e leio algo. Às vezes, com atenção plena, outras pensando nos afazeres. Às vezes com certa tranquilidade, mas já me atrasei para minhas rotinas diárias. Por vezes, chego a páginas; outras, somente parágrafos. E paro quando eu quero ou preciso porque a vida real me chama. Começo e termino ou deixo para depois, e assim por diante.

Com pausas, intervalos, sem desistir e sem perfeição, porque ela não existe além do nosso ideal. A “perfeição” é a nossa autenticidade, com nossos monstros e virtudes de mão dadas.

Desconfio que haja algo em comum com as escolhas de minha bibliografia anual e acredito que tenham a ver com mulheres.

Com a teimosa Catherine de “O Morro dos Ventos Uivantes” ou Christine de “A Cidadela”, que não deixou perder seus princípios diante do deslumbramento de seu marido médico.

Depois, conheci Clarice Lispector, e aí, pelo nome, já se sabe o que esperar além dos pensamentos das contas “intelectuais” das redes sociais. Identifiquei-me com suas personagens em momentos de epifania de Laços de Família, bem como galinhas que sabem o que querem.

Ainda no primeiro semestre, a complexidade da narrativa de “A Paixão Segundo GH” me fascina, que, sem dúvidas, é meu Prêmio Jabuti particular deste ano. Recebi de presente outro livro do mesmo título de uma amiga e tenho dois exemplares; portanto, um convite para reler. Tenho certeza que encontrarei novas ondas fortes de reflexões dentro das mesmas palavras, que me derrubaram para que eu entenda a vida com maior clareza.

A “Paixão segundo GH” é complexa e maravilhosa, pois consegue nos levar até onde temos medo de chegar. É um exemplar que se devora com o coração aberto, ainda que eu tenha desobedecido a recomendação da autora de lê-lo com a alma pronta e a minha definitivamente não está.

Posteriormente, conheci Fraulein, a empregada alemã contratada pelo pai, para a iniciação sexual de seu filho, em “Amar, Verbo Intransitivo”. Terminei no aeroporto, na primeira vez que leio algo em público sem me preocupar. Ainda devo ler a análise que Mário trás dos seus personagens em seu posfácio, pois é um livro interessante e curioso (e viva o centenário da Semana de 22!).

A consciência de que procurava ler sobre meu universo foi se tornando mais clara ao longo do segundo semestre. Li Clarissa, comprando desesperadamente “Mulheres que Correm com os Lobos” e apreciei aquele exemplar vermelho de aspecto bíblico em, no mínimo, três meses, com paciência em cada capítulo. Sem pressa e com respeito, religiosamente, como se lê a Bíblia. É doloroso admitir que Clarissa está certa em vários momentos durante o desdobramento junguiano de suas histórias. Estas que me fizeram entender que talvez escrever não seja tão absurda ideia e quem sabe seja uma das atividades pessoais mais importantes que devo praticar.

Com a mesma emoção, comprei também “Mulherzinhas” e me divirto agora todas as manhãs com Jo, especialmente Jo, que fina meu encorajamento para estar neste momento em frente à tela do computador, “na cara e na coragem”. Beth, Meg, e Amy, as demais irmãs me ensinam como crescer é uma transição inusitada repleta de demandas próprias, embora agradável e divertida.

O que pretendi com essas personagens e autoras, afinal? Não foram escolhas de títulos planejados, pois nunca são. Ao menos, não que eu saiba.

Talvez entender como se torna mulher, e que desobedecer o roteiro faz parte, pois nenhuma das personagens e autoras femininas cumprem o papel convencional que nos é entregue. Conspirar contra o pré determinado, ainda que doa, faz parte da transformação. É comprar um All Star para sua pequena mulherzinha e cantar Rita Lee em cima da cama.

Trata-se de respeitar suas vontades e decisões sem se apropriar de responsabilidades que não são suas e não carregar o mundo nas costas. É também se apaixonar sim, intensamente e desapaixonar-se como uma bela ser humana errante.

Talvez eu acabe de me tornar mulher aos quarenta, pois dizem por aí que é a década onde se tem quase tudo que se pretende na vida. Talvez eu termine esse processo no meu túmulo. E, dessa parte, entender que toda transformação é infinita, como a quantidade de palavras a serem lidas no mundo.

É uma narrativa individual e verdadeira que não se acaba e nem deve. E mesmo que não sejamos mortais, possamos transmiti-la a outras mulheres e assim, tal como a natureza, seja uma caminhada dinâmica e eterna enquanto dure.

Que um dia eu entenda e viva a minha, sem expectativas de finitude.

Quem sabe quais serão as propostas de leituras matinais do próximo ano, pois neste, eu sou os livros que li e também aqueles que ainda estão na minha estante prestes a serem compreendidos com paciência, inteligência e doçura, sem pressa.

Autora:

Marize Teixeira Vitório

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Patrocínio