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domingo, 23 de junho de 2024

Noite Feliz?

Em famílias numerosas, confusão à mesa é coisa corriqueira. E quando chega o Natal, estão, tudo se complica. Onde será a ceia? Quem leva o quê? Vai ter amigo secreto? Se eu tirar fulano vou querer trocar. Se for igual ao ano passado, prefiro tratamento de canal sem anestesia. Tem de ficar até o fim? Pode vir de bermudas e Havaianas?

            As crianças fazem muito barulho, cansam e dormem. Os adolescentes estão sempre amuados e a coisa fica ainda pior se ganharem apenas lenços, cuecas e meias. Os jovens são inseguros. A mãe tenta agradar a namorada do filho e o pai fica de olho no safado que está a fim da filha. Cardápio é sinônimo de problema: dietas, vegetarianos, veganos, veganos raiz, alergias etc. É difícil agradar a todos. Bebuns divertem no começo, mas depois incomodam. Quem criar um aplicativo para celular capaz de organizar essa zona vai enricar.

            Na família Souza, as gêmeas Marilena e Maria Helena e a cunhada Marilene, casada com o primogênito Mário Heleno Júnior (haja imaginação), discutem a ceia de Natal. Em qual casa? Que horas? Segregar os não vacinados? Definir lugares à mesa segundo preferências políticas? Por time de futebol? Após horas, definiram o cardápio de sempre, horário e amigo secreto. O pai, Mário Heleno, enérgico e moralista, decidirá eventuais perrengues do amigo secreto. Todos conhecem a fera e ninguém ousa contestar. Tudo na santa paz.

            Dia 24, 8 da noite, o pessoal começou a chegar. Uns na casa de Maria Helena, outros na de Marilena. Culpa do seu pai, disse Jorge, marido de Marilena. Não podia ter escolhido outros nomes? Seu irmão George, marido de Maria Helena, concordou. Após alguns telefonemas, todos foram para a casa de Mário Heleno e Helena Maria, pais das gêmeas e de Mário Heleno Júnior.

            Na hora dos presentes, as gêmeas ganharam dos maridos lingerie sensual de uma conhecida sexy shop, tudo no tamanho P. Os irmãos Jorge e George disseram que era apenas brincadeira, que a loja atrasou a entrega etc., mas tudo estará resolvido até o dia 26. Mário Heleno Júnior riu e brincou com as manas plus size. Tamanho P? Vai sonhando. Não entra nem com gel e calçador. KKK

  • Se olha no espelho Júnior, mas no espelho grande. No pequeno sua barriga não cabe.
  • Desculpe fofinhas. Acho que os cunhados estão tentando dizer algo. Deviam ter presenteado vocês com planos de Academia. K K K.

Marinho Neto, 4 anos, filho de Júnior, apontou para a janela e gritou: 

  • Olha lá na rua! Três papai noel! Tão vindo aqui!

Os 3 eram Nóia, motoboy do iFood, chapado e perdido, calça jeans, gorro e blusão vermelhos; Charlene e Charlote, dançarinas na Boate Jingle Bells, com gorro e jaqueta de Papai Noel até metade da coxa, talvez calcinha e mais nada. Charlene carregava uma gaiola coberta por um veludo verde.

  • Oiê! Vimos o Jó e o Gê e entramos para dar um Feliz Natal! Vocês precisam trocar nossos presentes. São tamanho GG e ficaram enormes. Tão chamando a gente de gorda? Nosso manequim é P, de pequeno! O que tem prá comer?

Helena Maria estava sem o aparelho auditivo, achou que eram convidadas e serviu canapés e bebida às visitas. O ambiente ficou tenso: bate-boca geral, perguntas, acusações e explicações sem pé ou cabeça. Mário pai e Mário Júnior foram para perto de Mário Neto, curioso para saber o que tinha debaixo daquele pano verde.

De repete, fumaça e cheiro de queimado invadiram a sala. As gêmeas foram até a cozinha e encontram o peru torrado. Perda total. A ceia teria apenas maionese, arroz com passas e farofa. A fome era grande e a decepção também. Nóia foi até sua moto e voltou com um peru assado, tender, lasanha e outros pedidos que não se lembrava onde deveria ter entregue. A paz voltou a reinar, pelo menos durante a oração e a ceia, graças ao motoboy. Os três Mários continuaram na ponta da enorme mesa, longe de Charlene e Charlote.

  • O que tem ali? – perguntou Mário Neto apontando para a gaiola.
  • É a Leninha, nossa papagaia, presente do seu Mário – respondeu Charlene. Está dormindo.

O menino retirou o veludo, Leninha acordou, olhou ao redor e disse:

  • Grande Marião! Jó, Gê. Todo mundo aqui! Fala Juninho! Feliz Natal!

Voou farofa, lasanha, peru e tapa pra todo lado. Charlene e Charlote pegaram a Leninha e saíram jogando beijos e dizendo: Feliz Natal rapazes. Apareçam! Os Souza decidiram que no próximo ano, cada um ficará em sua casa. E nada de dar roupas de presente.

Feliz Natal a todos os que aturaram minhas crônicas neste ano. Não percam, 30 de setembro, as previsões dos videntes para 2023.

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

8 COMENTÁRIOS

  1. Muito boa! Festas em Família, cada vez mais raras e confusas, uma pena.
    Parabéns Laerte, Feliz Natal e continue escrevendo, representas a esperança da manutenção de nosso rico idioma.

  2. Sensacional Laerte….é bem assim….como minha família sempre foi pequena e agora está diminuta, pq meus pais e meu irmão já não estão mais deste lado, nunca tivemos esses problemas….mas lembrando que família é tudo igual…só muda de endereço ????.
    Feliz Natal pra você e toda sua família… e um Ano Novo repleto de tudo que faça vcs felizes!!! Beijão ? ? ??

  3. Eu poderia ser membro da família Souza, não consigo me lembrar a última vez que me diverti com a noite de Natal…rs… Que Deus abençoe a sua família meu querido Laerte.

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