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segunda-feira, 3 de março de 2025

As manifestações e a necessidade de se enterrar os mortos

1963, sete pessoas morreram na cidade de Antares1, nada anormal, pessoas morrem todos os dias, porém, naquela sexta-feira 13, os coveiros da cidade estavam em greve. Sem poder enterrar dignamente os entes falecidos, familiares se viram obrigados a deixar os sete caixões perfilados na porta do cemitério.

2022, ano de eleições presidenciais no Brasil, a eleição mais importante desde a redemocratização. Disputa acirrada e muita sujeira, o candidato à reeleição usou toda a máquina pública, articulou emenda constitucional para transferência de renda para a população vulnerável – inquestionável sua necessidade, porém foi feito com intuito meramente eleitoreiro – que contribuiu para um rombo de 400 bilhões aos cofres públicos. Além disso, as redes sociais viraram um front de batalha entre “fake news”. Definitivamente não foi uma eleição normal e seria leviano culpar a polarização, uma vez que ela se faz presente no cenário político nacional desde sempre, como já ocorria em Antares, entre os Campolargo e os Vacariano. Essa anormalidade ficou ainda mais evidente com os protestos contra o sistema eleitoral organizado pelos derrotados.

Entretanto é necessário que se distingam os tipos de reclamações. Os defuntos vagam pelas cidades assim como os manifestantes, a diferença entre eles é que no primeiro caso o protesto é legítimo – os mortos merecem um enterro digno; já no segundo caso, não há legitimidade em propor um golpe de estado pelo simples fato de o resultado das urnas não terem sido o que almejavam, mas sim o que desejou a maioria da população votante. Há, no entanto, uma discrepância abismal entre os democratas de fato e os que se acham no direito de se utilizar o pano da democracia para vociferar por seu fim, solicitando, inclusive, intervenção militar. Vale relembrar aos “democratas” que o voto é mais que um direito, é um dever dos brasileiros, conforme estabelece o artigo 14, da Constituição Federal: a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, […].

Essa população, embora seja minoria, faz um grande barulho e causa um tumulto apavorante, assim como os insepultos que ao adquirem “vida” passam a perturbar os vivos, pois ambos revelam a podridão moral na qual a sociedade está submersa, mas por estarem mortos (uns fisicamente, outros moralmente) não sofrem represálias. Dessa forma, os fantasmas interagem com a matéria, gritam palavras de ordem, interrompem propositalmente o direito constitucional de ir e vir, agridem – verbal e fisicamente -, apedrejam, atiram… utilizam-se de uma violência desproporcional e desnecessária tendo, ainda, a conivência daqueles que deveriam zelar pela ordem.

Outrossim, os “democratas” fantasmagóricos não sentem dor, não possuem batimentos cardíacos, não possuem reflexos, não sentem sono e, embora tenham o encéfalo desenvolvido e o polegar opositor, tiveram, aparentemente, suas habilidades cognitivas comprometidas. Alimentam-se compulsivamente de “fake news” e não enxergam quaisquer fatos verídicos, apenas aqueles que alimentam alucinação coletiva. As notícias falsas agem nos seus organismos como uma droga altamente viciante, eles perderam a razão, o senso de realidade e acreditam, fielmente, que derrubarão a democracia (com atitudes que creem ser democráticas) no grito, por mero capricho, mas se esqueceram, mais uma vez, do texto constitucional o qual diz que “todo poder emana do povo” e sua decisão é soberana. Assim, urge que seja respeitada a vontade de 60 milhões de brasileiros, que votaram pela não continuidade do atual governo, para o bem da própria República.

Contudo, os corpos continuam aglomerados e atraindo moscas, enquanto falam escorre um líquido viscoso de suas bocas, nele possui rancor, amargura, cólera, um veneno para a sociedade. Cada gotícula desse líquido se propaga no ar e contamina outro corpo, tal qual um vírus, mais fatal que a Covid. É difícil compreender como, mesmo depois de quase 700 mil vidas ceifadas pela omissão diante de uma pandemia, ainda há quem deseje a manutenção desse sistema fatal.

Desse modo, os corpos seguem em putrefação, numa tentativa vã de contaminar o Estado Democrático de Direito, todavia, ao invés do apodrecimento literal, revelaram toda a podridão (moral e ética) humana que a sociedade brasileira escondia. É necessário que se enterrem os mortos para que a democracia permaneça viva!

1 Cidade fictícia do livro Incidente em Antares, escrito por Érico Veríssimo em 1971.

Autora:

Dani Melchiades. Licenciada em Letras e bacharel em Direito.

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