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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

A recuperação da economia em pauta

Por ocasião de sua aposentadoria, o doutor Haroldo Bulhões, 66 anos, Reitor da Universidade, foi agraciado com o título de “Professor Emérito” e aceitou convite para presidir o Conselho de Administração de uma importante empresa. A economia mostra sinais de recuperação e ele está entusiasmado com a oportunidade para se manter ativo nessa nova etapa da vida.

Juvêncio Costa Machado, o ex deputado Costa Machado, indiciado em vários processos por corrupção e lavagem de dinheiro, desistiu dos cargos eletivos para assumir a presidência da empresa. Foi ele quem indicou o professor Haroldo para o Conselho. Paga muito mais que a hora aula, garantiu ao antigo mestre.

Em sua primeira reunião de diretoria, o professor Haroldo ouviu atentamente  a leitura do relatório do Departamento Jurídico. O doutor Prudêncio (apelido: doutor Juris Prudêncio), preparou um parecer com 28 páginas que serve tanto para propor uma ação, contestar ou justificar qualquer coisa. Basta alterar o título e adequar as partes. O parecer foi votado. A decisão, por unanimidade, foi: AR (arquivo redondo), eufemismo para o cesto de lixo.

O doutor Haroldo, um pouco desconfortável, não se manifestou. Ari Peçanha, Chefe da Contabilidade, disse que aguarda instruções para finalizar o balanço e adaptar o parecer dos auditores não tão independentes. É para fazer dar lucro ou prejuízo? O balanço ficará pronto 5 dias após essa importante decisão.

O clima azedou com o relatório do Diretor de Produção, dr. Caio Pinto. A pandemia complicou a importação de insumos e o trabalho remoto retardou a produção. O Controle de Qualidade não tem qualquer controle sobre a qualidade e Pesquisa & Desenvolvimento, há vários anos, não pesquisa e nem desenvolve coisa alguma. O “coração” da empresa esta prestes a enfartar.

O presidente Costa Machado manteve a calma, controlou os exaltados e garantiu que tudo tem solução. É para isso que servem as reuniões de planejamento: aparar arestas, ajustar o foco e delinear a visão do futuro, conforme ensinou o professor Haroldo no seu tempo de faculdade. O Presidente passou a palavra ao Edilberto, o sorridente Diretor de Vendas, com uma pergunta: Você tem boas notícias?

Edil, como prefere ser chamado, levantou-se, ajustou o nó da gravata, abotoou o paletó, ligou o projetor, pegou o laser pointer e pediu para Eva Dias apagar as luzes. Mostrou gráficos coloridos em forma de barra, pizza e outras geometrias. O volume de encomendas é enorme, assim como a receita de vendas. Foi muito aplaudido, as luzes se acenderam e Caio Pinto pediu a palavra.

  • Edil, pelo que vi, o volume de vendas recai sobre produtos que Pesquisa & Desenvolvimento ainda não pesquisou e nem desenvolveu. Além disso, a Engenharia não sabe se consegue produzir e atender essas encomendas.
  • Vender é uma coisa, produzir é outra – respondeu Edil.
  • Como é possível vender o que ainda não foi desenvolvido e nem produzido?
  • Sinal que somos ótimos vendedores e vocês péssimos engenheiros.
  • Desse jeito seremos processados!
  • É para isso que temos um Departamento Jurídico – falou Costa Machado.
  • Devo desarquivar o parecer? – perguntou o doutor Juris Prudêncio.

Dado ao avançado da hora, Costa Machado decidiu encerrar a reunião e almoçar com o professor Haroldo. Antes de sair, pediu para a Diretora de Marketing, Patty Hinganar, preparar a campanha publicitária para clientes, mídia e público em geral, mostrando a saúde da empresa. Solicitou à srta. Linda Tereza, a dona Tetê do RH, entregar os cheques do bônus de produtividade. Lembrou a todos de assinar a lista de presença com srta. Eva Dias, para ter direito ao jeton.

Haroldo Bulhões e Costa Machado almoçaram a sós na sala da Diretoria.

  • Sem pesquisa, desenvolvimento, tecnologia e produção, como vocês conseguirão vender? Como a empresa terá lucro?
  • Não se preocupe, professor. Recebemos antecipadamente o dinheiro das encomendas via Banco Oficial de Fomento e as comissões já foram pagas. Prefeitos e Governadores estão satisfeitos. Produzir e entregar são apenas detalhes.
  • Mas e os prazos contratuais?
  • As comissões foram pagas antecipadamente e os prazos não serão questionados.
  • E o capital de giro? E o dinheiro para investimento?
  • O Diretor Financeiro, doutor Manso Furtado, é genro do Ministro. Depois ele leva os netos para visitar o vovô e pede suplementação de verbas.
  • Mas um dia essa conta vai chegar, não vai?
  • Claro que vai, mas não será problema nosso e sim do próximo governo. Professor, o senhor nunca trabalhou em Estatal?
Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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