16.4 C
São Paulo
quarta-feira, 13 de novembro de 2024

A arte de mentir

Em meio a tantas mentiras, fake news e notícias fantasiosas que os políticos, as autoridades e a própria mídia dizem diariamente, achei importante refletir sobre o tema. Existem duas maneiras de se contar uma mentira. A primeira é “na cara dura”: vai lá e mente. A segunda é bem mais elaborada e envolve pesquisa e estatística. Não é para qualquer um.

            Para mentir “na lata” tem de ser muito bom, convincente, um verdadeiro artista. Clinton disse: “não tive relação sexual com a estagiária”. Convenceu, até que a doida revelou que tinha guardado, sem lavar, o vestido com a prova do crime. Ao sul do equador, Fernando declarou que não tinha nada a ver com a Operação Uruguai. Era mentira, a casa caiu e ele renunciou.

            Mentir é uma arte, assim como puxar o saco. No caso do puxa-saco, a lição número um é saber escolher o saco certo. Tem muito amador que até se esforça, mas puxa o saco errado e nunca atinge o objetivo. Na mentira, há um enredo a ser construído, sob pena de não passar credibilidade. Detalhe: tem de deixar alguma pontinha solta, se não fica verídico demais e ninguém acredita.

O problema da mentira na lata é que pode ser facilmente derrubada com fatos. Mentir com estatística é mais seguro. Se for pego, pode alegar problema com os números e culpar os outros. E ainda tem a questão da interpretação dos dados. Por exemplo: se 25% dos acidentes de trânsito ocorrem por causa da bebida alcoólica, logo, 75% são causados por quem só bebe, chá, água ou Coca Diet. Pura interpretação de dados. Vejamos outros exemplos:

O Ministro perguntou ao assessor qual o cenário mais provável ao final  da pandemia. O experiente burocrata sugeriu uma pesquisa junto à mídia e o chefe concordou. Terminada a tabulação dos dados, o assessor apresentou o relatório com opiniões otimistas e pessimistas.

  • O que dizem os otimistas?
  • No médio prazo, o povo estará comendo estrume.
  • Que horror! E o que dizem os pessimistas?
  • Não haverá estrume para todos.

Não houve pesquisa alguma. Para não ficar mal com o chefe, ele fingiu uma estatística e ainda jogou a culpa na imprensa. Ponto para o assessor!

Recentemente, criaram a expressão Fake News. É mentira como outra qualquer, só que é mais requintada e separa amadores de profissionais. Ser acusado de criar Fake News é chique e dá mais status do que ser chamado de mentiroso. Mas pode dar cadeia.

Mentir para o chefe é fácil. Para a opinião pública então, é moleza. Difícil é mentir para as mulheres, pois nem nas verdades que os homens contam elas acreditam. Esposas podem até engolir alguma mentira. A irmã, jamais.

Cá entre nós, quem já não contou uma mentirinha para se livrar de uma situação difícil, atraso no trabalho ou multa no trânsito? Alceu foi protagonista de uma armação das boas. Levou uma cliente ao motel, esqueceu da hora e ia chegar muito tarde em casa. Fez retorno proibido para cortar caminho, mas foi parado por um guarda de trânsito. Percebendo que era policial jovem, manteve a calma e assumiu o controle do diálogo:

  • Em que posso ajudá-lo policial?
  • O senhor fez uma conversão proibida. Posso ver sua habilitação?
  • Está suspensa.
  • Documento do veículo?
  • O carro não é meu.
  • Senhor, por favor, abra o porta luvas.
  • Não posso, tem drogas e o revólver que usei para roubar este carro.
  • Abra o porta-malas!
  • Nem pensar! O corpo da dona do carro está lá. 

O jovem policial, surpreso, sacou a arma, chamou seu superior e relatou o ocorrido. O chefe que disse que cuidaria do caso.

–    Habilitação e documento do carro por favor!

–    Aqui está sargento. Carro em meu nome e habilitação em dia.

–    Abra o porta-luvas!
–    Veja, está cheio de balas que dou para crianças no semáforo.

–    E o porta-malas?
–    Pode verificar senhor. Só roupas e cestas básicas para a caridade.

–    Desculpe o mal-entendido. O policial é bom, mas ainda está em     

treinamento. Disse que o senhor não tem habilitação, o carro é roubado, tem drogas e arma no porta luvas e um cadáver na mala.

–    É cada uma! Só falta ele dizer que eu fiz conversão proibida.

Alceu livrou-se do problema mentindo “na lata” e ainda arrumou uma boa desculpa para o atraso. Deu mancada na noite anterior, mas se safou inventando a história do Boletim de Ocorrência de furto no escritório. A blitz serviu de inspiração. Chegou em casa, a esposa de cara amarrada e sua irmã com sorriso maroto, ambas vendo TV. Falou da blitz, da chapa clonada, da suspeita de carro roubado, corpo no porta-malas etc. Perdeu um tempão no Distrito para se explicar. Por sorte, era o mesmo delegado da ocorrência da noite anterior. A esposa o beijou, pediu desculpas por duvidar e foi esquentar o jantar. A irmã caçula, com jeitinho malandro, disse:

  • Deixei um pacote no banco traseiro do seu carro. Você pegou?
  • Nem vi. O que era?
  • Um sutiã pink, tamanho 38. Achei ontem, quando manobrei seu carro para sair com o meu. Deve ser do delegado!
Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

2 COMENTÁRIOS

  1. Olá Rodrigo Agradeço pelo gentil comentário. Publico todas as sextas, 10 da manhã. Meu gênero é “besteirol”. KKK. Nesta sexta (dia 2/9), crônica sobre Dom Pedro I e Leopoldina revisitando o Brasil 200 anos depois, para ver como está seu legado. Abraços.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

A nova desordem mundial

Beba, durma e coma!

Velhos amigos, idosos e perigosos

O pecado da ira e os irados

Inveja pouca é bobagem

Patrocínio