Usualmente, o processo civil e o Poder Judiciário têm como principal função resolver conflitos individuais. Em outras palavras, sua missão era limitada a pacificar disputas simples e pessoalmente marcadas – entre credores e devedores, entre contratantes e contratados, entre compradores e vendedores.
De maneira mais recente, porém, tem sido comum que batam nas portas dos Tribunais debates muito mais complexos. Nesses casos, é necessária uma atuação capaz de lidar com situações que envolvem valores sociais amplos, ou cuja própria resolução imediata é inviável. Torna-se, então, indispensável a construção de um novo modelo processual – ao qual a doutrina tem dado o nome de “processos estruturais”.
Resumidamente, esse caminho procedimental pode se mostrar a peça mais efetiva quando se está diante de circunstâncias que envolvem um número significativo de sujeitos, exigindo medidas futuras para corrigir um cenário de desconformidade. Ao invés de uma resposta imediata, procura-se resolver prospectivamente um problema – aprimorando o cenário gradativamente, em um espaço em que consensos e acordos podem desempenhar um importante papel.
Na realidade brasileira, esse tipo de postura já foi vista em diferentes hipóteses. Como exemplo, adotou-se, em contexto de medida judicial, postura estrutural para acertar problemática ligada à detritos e poluentes relacionados à indústria carvoeira no Estado de Santa Catarina. Também foi assim que se estabeleceu, por impulso do Ministério Público Federal, um aprimoramento futuro das atividades de fiscalização adotadas em nosso setor de mineração.
Mais recentemente, esse percurso foi perseguido na Ação Civil Pública nº 5095710-55.2021.4.02.5101, proposta pela ABPI – Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, que tramita perante a 31ª Vara Federal da Subseção Judiciária do Rio de Janeiro. Na medida, em que a associação é representada pelos subscritores do presente artigo, questiona-se a atual insuficiência orçamentária e estrutural do INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial, o que desvirtua a natureza dos valores recebidos pelo órgão e impõe grave prejuízo ao sistema brasileiro de proteção do ativo intelectual.
Em resumo, destaca-se no curso da ação que as atuais atividades desenvolvidas pelo INPI, conforme já reconhecido pelo STF e pelo TCU, não alcançam patamar satisfatório e causam desestímulo à inovação no território brasileiro. Do mesmo modo, salienta-se que esse cenário é em vasta medida decorrência das limitações financeiras impostas ao órgão. Isso, por mais que o sistema legislativo brasileiro assegure sua autonomia e que a natureza jurídica dos valores auferidos pelos seus serviços não autorize seu emprego em finalidades diversas.
De que modo, porém, seria possível recompor um ambiente marcado por décadas de desconformidade? Como assegurar judicialmente a recomposição das atividades da autarquia, tendo em vista que esse objetivo exige diferentes planejamentos e providências plurais e complexas?
Considerando esse cenário, a ABPI busca com a demanda atuar de forma cooperativa com as autoridades públicas, em prol de melhores condições para o desenvolvimento tecnológico nacional. Em linhas gerais, pleiteia-se a criação de um plano de metas e providências, a serem cumpridas de forma escalonada. Além disso, indica-se que essa planificação deve ser apresentada pelo próprio INPI – incumbindo ao órgão o diagnóstico de suas necessidades de melhoria. Por outro lado, salienta-se que deve incumbir à União o custeio desse incremento.
Após a realização de tentativas de composição e o reconhecimento pelos próprios representantes da autarquia da debilidade orçamentária que é a ela imposta, a magistrada responsável pela apreciação do processo, Dra. Caroline Somesom Tauk, julgou a pretensão procedente em sua maior parte. Nesse sentido, determinou que o INPI apresentasse diagnóstico de seu atual estado funcional, bem como plano para seu aprimoramento. Do mesmo modo, ordenou, à União, a disponibilização das verbas necessárias para concretizar esse plano.
A ação, atualmente, encontra-se em fase recursal. De todo modo, considera-se que a efetivação de seu comando poderá levar a uma virtuosa virada de página em nosso sistema de proteção da propriedade intelectual – contribuindo de modo decisivo com a realidade brasileira e fomentando o empreendedorismo e a inovação. Ganham, com isso, nosso ambiente econômico e nossa sociedade.
Autor:
Gustavo Osna e Marcelo Mazzola, palestrantes do 42º Congresso Internacional da Propriedade Intelectual da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual