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terça-feira, 30 de abril de 2024

Dragão do mar, o Isaiah Bradley brasileiro

A jornada heroica nunca é fácil, especialmente se você for uma pessoa negra, esteja você no centro ou na periferia do capital, a cultura da exploração e junto com ela o consequente desfazimento de uma história de lutas deliberadamente apagadas, fará de você um não herói, pois que esquecido no seio de sua melindrosa jornada. Pior ainda, muitos ainda colocarão a pecha de “vilão”, que merece ser condenado ao esquecimento e torturado por isso.

Isaiah bradley, que de ficção só tem o nome e os super porderes, foi vítima do sistema racista estadunidense, que assim como o Brasil, tem suas bases fincadas sob a égide da escravidão, que suplantou e extirpou qualquer base de humanidade para com os povos de África. O primeiro capitão américa negro dos quadrinhos, na verdade nunca foi reconhecido como tal, simplesmente por sua condição étnica, e aquilo que deveria ser seu por direito lhe foi brutalmente negado. Impende ressaltar que Isaiah só chegou a condição de super soldado por conta de uma série de experimentos que de tão criminosos tiraram sua dignidade para o resto da vida. É que o personagem fez parte de uma série de cobaias, todos homens negros, que foram dosados com versões experimentais do Soro do Super Soldado de Steve Rogers (capitão américa), como parte de um programa da Segunda Guerra Mundial projetado para recriar o sucesso do programa Capitão América.

Acontece que, enquanto o homem branco Steve Rogers teve plena consciência do que estava fazendo, isaiah foi uma das vítimas do sistema opressor americano.

O pior de toda essa história é que ela é baseada no real Estudo da Sífilis Não Tratada de Tuskegee, no qual 600 negros pobres do Alabama receberam a promessa de assistência médica gratuita do Centro de Controle de Doenças e do Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos como parte de um estudo que disseram que duraria seis meses.

Foram usados 600 homens sifilíticos como cobaias em um experimento científico: 399 para observar a progressão natural da sífilis sem o uso de medicamentos e outros 201 indivíduos saudáveis, que serviram como base de comparação em relação aos infectados. Os doentes envolvidos não foram informados sobre seu diagnóstico e jamais deram seu consentimento de modo a participar da experiência. Eles receberam a informação de que eram portadores de “sangue ruim”, e que se participassem do programa receberiam tratamento médico gratuito. O “estudo” durou mais de 40 anos, de 1932 a 1972, deixando centenas de homens negros debilitados com sífilis degenerativa em um dos casos mais terríveis de violação da ética médica e dos direitos humanos do século passado.

Voltando à “ficção”, Isaiah ainda lutou contra os nazistas defendendo a bandeira americana, mas ao chegar em solo estadunidense, foi preso por supostamente ter furtado a roupa do capitão américa, pois que em países racistas, determinados cargos são exclusivos de pessoas brancas, sendo o negro apenas um acessório desse sistema colonial. É como disse o próprio Isaiah da séria do Falcão (novo capitão américa) e o Soldado Invernal, que ao afirmar que depois que os Red Tails voaram para defender seu país, quando chegaram em casa foram recepcionados com cruzes em chamas, em clara referência à ku klux klan-kkk.

Situação semelhante acontece com as grandes personalidades negras no Brasil, que por vezes são não só esquecidas como, a fim de criminalizar a historiografia do nosso povo, que verdadeiramente construiu esse país, colocam nossos heróis que lutaram por liberdade como se fossem os verdadeiros “vilões”. É só ver o que fazem constantemente com a imagem de Zumbi dos Palmares, que frequentemente é tachado como “senhor” de escravos, terrorista ou outras tantas bobagens que falam por aí sobre ele.

Dragão do Mar, também conhecido como Chico da Matilde (nome de sua mãe), era Francisco José do Nascimento. Ele era jangadeiro e organizou uma greve em 1881, recusando-se a desembarcar escravos que chegavam da África ao Ceará. Somente no ano passado (2020) é que finalmente soubemos que existia um túmulo em seu nome, conforme descoberto pelo historiador cearense Licínio Nunes de Miranda, cujo trabalho acadêmico resultou no fim de um mistério de mais de um século sobre o paradeiro do corpo do jangadeiro nascido em Canoa Quebrada, em Aracati (litoral leste do Ceará), consoante matéria feita por Sérgio Ripardo pelo Diário do Nordeste.

Chico da Matilde também conduziu o movimento que fez a paralisação do porto de Fortaleza em 1884 que impediu os exploradores de exportarem escravizados do Ceará para o Sul do Brasil.  Com a vitória da revolta, paralisou todo o porto, fato esse que culminou na concessão da Liberdade daqueles que protestavam, sendo proclamado o fim da escravidão no Ceará, quatro anos antes do fim da abolição oficial no Brasil, que foi em 1888.

Infelizmente, o nosso Dragão do Mar é mais uma figura histórica esquecida pela sociedade brasileira, que propositadamente, através daqueles que sempre estiveram nos espaços hegemônicos de poder, fizeram questão de apagar, fazendo com que sequer lembremos de nossos verdadeiros heróis, a quem genuinamente devemos gratidão pelos seus feitos e cujas jornadas servem de inspiração a qualquer um que aspira por uma sociedade mais justa e solidária. Por fim, termino com a frase de uma música do rapper Eduardo Taddeo, que diz: ” perdoar nunca, esquecer jamais, devemos isso às vítimas dos massacres sociais”. Saudemos e jamais esqueçamos dos nossos heróis!

Autor:

Gabriel Barros, Bacharel em direito pela faculdade de Aracaju e pós-graduando em direito público.

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