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sábado, 20 de julho de 2024

O que somos capazes de fazer…Caso: garimpo

Conheci garimpos que estavam em atividade no rio São Manuel, afluente do rio Tapajós (antes desse desaguar no rio Amazonas) e fiquei impressionado com a quantidade de balsas garimpando, pois para se ter uma ideia, dava para atravessar o rio pulando de balsa em balsa. Mas o mais impressionante, sem dúvida, foi o uso de mercúrio e uma “bateia amarela”.

De um lado, a questão do uso de mercúrio e do outro lado, ver o resultado do ouro numa bateia enferrujada é um teste de sanidade para qualquer pessoa.

Explico.

Boa parte do “ouro de rio” fica nos sedimentos. Esse metal está na forma minúscula, partículas menores que grãos de areia. Então, mergulhadores, que garantem a sua fonte de oxigênio através de uma simples mangueira, descem e sugam o sedimento até chegar nas veias (seixos) onde, a princípio, há a possibilidade de encontrar ouro em pó.

Esse sedimento é sugado e lançado num sistema de “caixa” que fica em cima da balsa. Essa caixa é composta de duas rampas que tem um pano preso com ripas transversais, formando um pequeno obstáculo para a areia. Na medida que a água desce, o sedimento se acumula sob o pano. Na “boca” (parte de cima) da caixa, lançando-se o mercúrio.

O mercúrio tem uma afinidade química com ouro, então, quando entra em contato, gruda no metal forma o que chamam de “mercúrio amalgamado”.

O mercúrio é um metal líquido e tem uma densidade de 13,546 g/cm³ ou seja, é 13,5 vezes mais pesado que a água e acaba se depositando em baixo do pano, já na forma

amalgamada, caso tenha reagido com o ouro. De tempos em tempos, o sistema de sucção do sedimento é interrompido e se recolhe todo material depositado embaixo do pano, que é colocado numa bateia de ferro (uma espécie de prato). Depois inicia-se a lavagem, ou seja, a separação do mercúrio amalgamado da areia e, dependendo obviamente da sorte, a bateia fica prateada (cor do mercúrio).

Para separar o mercúrio do ouro, inicia-se a “queima” do mercúrio amalgamado. Como mercúrio evapora com 356,58o C e o ouro a 2.000o C, aos poucos, a bateia começa a mudar de cor e aparecem manchas amarelas: de ouro!

Essa virada de cor é um verdadeiro colírio para os olhos, não apenas para um cientista, mas para todos os que estão lá trabalhando na balsa. Dá para entender a chamada “Febre do ouro” pois, literalmente todos ficam maravilhados e é isso que motiva os garimpeiros a reiniciar todo processo.

Outra situação relevante e que, num primeiro instante a ninguém perturba, é o fato de todos ficarem do lado do maçarico, vendo o mercúrio evaporar e o ouro aparecer. Embora saibam que estão respirando o vapor de mercúrio. O fato de ter muitos garimpeiros com as mãos e corpo trêmulos é mais associado a febre amarela, à bebida alcoólica do que com a inalação do mercúrio.

Mas, essa questão não é o propósito dessa reflexão, embora também seja da maior importância se discutir o impacto social dos garimpos e os trabalhos insanos dos garimpeiros pelas precárias situações como vivem.

Estima-se que para cada tonelada de ouro, são utilizadas 1,7 toneladas de mercúrio, e que esse, praticamente não é reutilizado, ou seja, vai tudo para a natureza.

A questão é: qual o destino desse mercúrio. Essa questão é a essência dessa reflexão.

O mercúrio lançado no ambiente da forma metálica, embora tóxica, num primeiro instante, causa relativamente pouco efeito, mas, basta uma mudança da estrutura do mercúrio, passando da forma inorgânica para orgânica devido à ação bacteriana, para esse metal se acumular nos organismos aquáticos (bioacumulação) e através da cadeia alimentar, chegar em níveis elevados (biomagnificação) até causar danos aos consumidores finais como por exemplo o próprio ser humano.

Um dos fatos que acelera esse processo de acumulação e magnificação é a mudança do regime hídrico de lótico para lêntico, ou seja, de um sistema de rio (lótico) para represa (lêntico). Essa mudança hidrológica intensifica a acumulação e magnificação desse metal nos peixes. Segundo tese defendida na USP-SP, as concentrações de mercúrio nos peixes carnívoros de uma represa eram 4,7 vezes mais altas que a mesma espécie que vive em rios, sendo que em ambos os ambientes se detectaram a presença do metal.

Por isso, quando se propõe construir uma represa (para a geração de energia elétrica por exemplo), deve-se considerar se o ambiente, antes dessa mudança do regime hídrico foi contaminado por mercúrio. Fatalmente a presença desse metal, vai dificultar o chamado “uso múltiplo”, já que a pesca poderá ser inviabilizada.

Qual a solução?

Ouro sempre vai ser garimpado, porém se não for de uma forma legalizada será (e na maioria das vezes já o é) de uma forma informal, o que acaba sendo pior para o meio ambiente e para as questões sociais, principalmente porque não existe nenhum controle, muito menos planos de manejo, quiçá os de recuperação ambiental, após terem sido esgotadas as veias de ouro.

Cabe a implantação de um Plano de Gestão, onde, não só visando oficializar os garimpos, mas principalmente devido ao compromisso com as questões sociais e ambientais.

Se intitular, nesses casos, de sapiens, acaba sendo um grande despropósito, principalmente porque o amarelo do ouro acaba deixando as pessoas maravilhadas mas cegando-as, pois não vê o triste rastro trágico ambiental e social.

Balsa com duas caixas em plena atividade. Foto: Adriano Gambarini. WWF Brasil

Autor:

Prof. Biólogo Geraldo G.J.Eysink
Sugestão ou críticas: Email: geraldo@hc2solucoes.com.br Junho de 2022

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