Narrativa sobre a teoria jurídica em vertigem. A vitória do “politiquês” e a derrocada da democracia.
No dia 22 de fevereiro de 2022, participei de uma Audiência Pública, no âmbito do Poder Executivo municipal, em Nesciolândia (nome fictício dado em homenagem ao professor Lenio Streck). Esta teve como fulcro a demonstração e avaliação do cumprimento das metas fiscais da cidade no 3º quadrimestre do ano de 2021.
Assim, a Câmara Municipal de Nesciolândia, por meio da Comissão Permanente de Finanças e Orçamento, nos termos do art. 9º da Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), “deveria” avaliar o cumprimento das referidas metas fiscais do município pelo Poder Executivo.
Entretanto, não foi isso que se viu… O que se viu foi uma patética e espalhafatosa apresentação dos membros do Legislativo. E um verdadeiro show de fanatismo dos nesciolenses presentes.
Da parte dos vereadores, foi revoltante a forma como se comportaram e conduziram a referida Audiência Pública. Ao invés de se atentarem aos dados e demonstrativos apresentados pelos membros do Poder Executivo, preferiram tirar fotos, fazer vídeos, “mexer” nas redes sociais, “brincar” com os colegas e com o público. Ao invés de indagarem, questionarem o cumprimento das metas fiscais, os exorbitantes valores gastos com pessoal, obras etc. pelo Executivo, preferiram “gastar” seu inestimável tempo de indagação com perguntas-respostas, nas quais vangloriavam-se de seus papéis determinantes, apoiavam com “unhas e dentes” o prefeito e vilipendiavam a “assustadora” oposição. Em suma, fizeram de tudo, agiram de todas as formas imagináveis e inimagináveis, só não fizeram o que era necessário: fiscalizar e avaliar o cumprimento das metas fiscais do município.
Da parte dos munícipes presentes, foi assombroso o modo como a maioria se comportou e encarou o evento. Ao invés de acompanharem os dados e demonstrativos apresentados pelos membros do Poder Executivo, preferiram, assim como os vereadores, tirar fotos, fazer vídeos, “mexer” nas redes sociais, perguntar da família e de como seria o final de semana da(o) colega sentado ao lado. Ao invés de encararem a Audiência Pública como uma forma de controle, avaliação e fiscalização das ações dos membros do Poder Executivo no ano de 2021, e até mesmo dos próprios membros do Legislativo, preferiram encarar tal evento como uma partida de futebol, como verdadeiros torcedores organizados: vibraram, gritaram e aplaudiram de pé as falas dos vereadores e do prefeito. E ai de quem não concordasse ou fizesse alguma indagação ou crítica… Em resumo, também fizeram de tudo, menos o que era esperado: exercer seu papel como cidadão ativo e promover a democracia como forma de regime político.
Por fim, essas foram as minhas percepções desta “extraordinária” Audiência Pública, a qual, tristemente, levou-me a crer na vitória do “politiquês” e na derrocada da democracia. Só espero que Nesciolândia seja a exceção e não a regra, apesar de acreditar piamente que essa seja a regra e não a exceção!
Obs: como é lamentável constatar a disparidade entre a teoria e a prática, que Sócrates, Platão e seus companheiros não nos ouçam e nem vejam o que vi na Câmara Municipal de Nesciolândia…
Autor:
Jordano Pinhata Zaparoli. Graduando em Direito na Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP). Email: jorzaparoli@gmail.com.