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domingo, 1 de setembro de 2024

Cupido

Distraído. Que poderia ele fazer, se estava andando tão distraído pela vida? Entrou no metrô. Sentou-se, rotineiramente. Abra um livro, pensou. Abriu-o. Ponha o fone de ouvido, naquela música que escutou ontem! Assim o fez. Aumentou o volume. Distraiu-se ao máximo. Ainda não era suficiente, precisava de mais distração. Passou a contar as listras dos bancos. Ainda não, eram poucas demais. Passou a soletrar mentalmente o que recordava do pi. Isso sim, seria uma distração máxima. Infinita. Meia, dois, oito, zero… Chega. O infinito era pouco para ele.

E no meio de tanta ânsia de não estar ali, freou-se o trem. E ao menino, estalou-lhe um pensamento: por que tanta distração? O trem já parou. Já estava longe. Já estava só.

Em meio àquele turbilhão confuso de sentimentos, encontrou algo que não havia visto. E surpreendeu-se dizendo: “Ah, acho que o que estou sentindo é amor”. E atordoou-se. Porque percebeu que era finito tudo o que imaginava e tudo o que era real. E, de tão humano que era, descobriu somente mais tarde que ser eterno é ainda mais cansativo. A palavra simplificou demais o sentimento.

Era-lhe um amor mudo, por parte dele. Assim mesmo. Oblíquo. Um amor inacessível. Ele amava sozinho. Gritava dentro de si isso que sentia, e ouvia resposta. Sim. Era resposta audível. Tão audível que quanto mais a ouvia, mais se completava de solidão. Porque o que ouvia era o seu próprio eco.

E ele fazia assim mesmo. Ao externo, a quem precisava ouvir, amava, incompreensivelmente, em silêncio. E, dessa forma, deixava confuso até mesmo esse sentimento, que, creio, não aceita o silêncio. Pôs-se, talvez por puro medo, limites para tudo: até mesmo seu choro era escorrido com lágrimas escassas. E ele ficou assim: morno, átono, inaudível. Contentava-se com isso que no seu âmago é traição inerte e recorrente de si mesmo; com isso que é, sobretudo, inação. Por puro medo.

Cupido, ele próprio, foi também cruel. Acertou ao garoto com sua seta de solidão. Ofereceu-lhe, com um sorriso sarcástico e bruto, com um sorriso ambíguo e tentador, uma confusão dos sentidos. O garoto aceitou, porque confundir amor com paixão pareceu-lhe o extremo da distração que tanto buscava. E foi assim que ele se enclausurou em si mesmo, protegendo a ferida aberta pelo Cupido, com esse oceano de correntezas tão turbulentas que é a fantasia.

Autor:

Marcos Vinícius D’Ambrósio Andrade
9/5/2022

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