Um dos grandes temas vinculados diretamente ao direito da moda refere-se aos shopping centers, haja vista que o conceito de direito da moda abrange a indústria da moda lato sensu, ou seja, a indústria propriamente dita e também o comércio varejista de moda.
Em nosso pais esse modelo de empreendimento chegou na década de 60 do século XX e era um negócio que resumia-se primordialmente na relação entre o empreendedor, proprietário do imóvel e responsável pela concepção do conjunto de lojas que abrigaria o shopping ou tenant mix, e o lojista, mas que foi um pouco alterada em função do ingresso no segmento das entidades de previdência privada complementar, ou seja, dos fundos de pensão que vislumbraram nesse modelo uma excelente oportunidade.
A inserção dos fundos de pensão na indústria brasileira de shopping centers provocou um processo de pulverização da propriedade dos imóveis em que estão instalados esses empreendimentos em virtude da abertura de capital em bolsa de valores de importantes empresas do segmento e a constituição de fundos de investimentos dedicados à exploração dessa atividade.
Evidente que a estrutura tradicional do empreendimento, em que existe apenas empreendedor e lojista, ainda existe em muitos shoppings espalhados país afora, mas paralelamente a isso temos a coexistência de novas formas de organização dos shoppings.
De acordo com a Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRASCE) os shoppings são um grupo de estabelecimentos de comércio essencialmente varejista, planejado e desenvolvido como uma única propriedade e gerido de forma centralizada com Área Bruta Locável (ABL) superior a 5000 metros quadrados, com aluguel fixo e/ou percentual e com vagas de estacionamento compatível com a área de vendas.
Apesar da indústria de shopping centers, assim como o comércio de rua, estar sofrendo com o impacto das diversas restrições de funcionamento em todo país em virtude da pandemia do novo coronavírus um importante tema ligado ao dia a dia de seu funcionamento relaciona-se aos pedidos de indenização formulados com fundamento na alegação de dano material ou moral por fatos que ocorrem em seu interior.
Regra geral os empreendedores de shopping centers não mantém relação de consumo com seus frequentadores porque na verdade são os lojistas que são os fornecedores de produtos e serviços.
Apesar disso existem algumas decisões proferidas em ações de perdas e danos propostas pelos frequentadores de shopping centers em que o Poder Judiciário entendeu que nesses casos aplicam-se sim o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Em geral para caracterizar o dever de indenizar há necessidade da existência de três requisitos: a) prática de ato ilícito; b) dano sofrido por quem pede a indenização; c) nexo de causalidade dentre o ato ilícito e o dano. Esse é o modelo clássico de responsabilidade civil caracterizado essencialmente pela presença do elemento “culpa”, em sentido amplo, que abrange os atos culposos de negligência, imperícia, imprudência, e os dolosos ou intencionais.
Contudo, esse modelo tradicional previsto no Código Civil possui exceções como a responsabilidade objetiva prevista no Código de Defesa do Consumidor em que há dispensa do requisito culpa e da ilicitude da conduta para configurar o dever de indenizar.
Além disso, o Código de Defesa do Consumidor também altera o regime de produção de provas no processo judicial. De acordo com o modelo tradicional ou do Código Civil se a pessoa que comprou um produto ou adquiriu um serviço se diz vítima de um dano causado por ato ilícito praticado por outra pessoa a ela caberá o ônus de provar a ocorrência do dano e a própria prática do ato ilícito.
Todavia, no caso do Código de Defesa do Consumidor isso não acontece porque nele há possibilidade de inversão do ônus da prova, ou seja, a pessoa acusada de praticar o fato que provocou o prejuízo deverá provar que não deve ser responsabilizada pelo dano ou que o próprio não aconteceu ou ainda que não existe nexo de causalidade entre o ato e o dano.
Para evitar eventuais conflitos judiciais os shopping centers costumam adotar algumas cautelas operacionais adicionais como ter pessoal treinado para tratar a vítima com cortesia após a ocorrência do suposto fato que pode ensejar a alegação do dano material ou moral, monitorar constantemente as áreas comuns por meio de circuito interno, manter pessoas aptas à prestação de primeiros socorros e livro de registro de ocorrências ou sistema similar que possibilite à administração detalhar os fatos por escrito, identificar e qualificar as pessoas envolvidas no evento, inclusive, testemunhas.
O ideal é que as pessoas que alegam terem sofrido qualquer tipo de dano material ou moral no interior dos shopping centers procurem as suas administrações e que essas façam acordo e os indenizem diretamente até para manterem uma boa imagem junto ao seu público.
Ocorre que às vezes isso torna-se difícil porque para poderem reembolsarem os custos com o pagamento de indenizações a terceiros os shopping centers contratam seguro de responsabilidade civil e normalmente as apólices desses seguro preveem o reembolso do empreendedor por quantias que este tenha que pagar a terceiros apenas após decisões judiciais transitadas em julgado, ou seja, que não caibam mais recursos.
Há entendimento de alguns autores e juízes que nos casos de ação de indenização por dano material ou moral essa poderá ser proposta diretamente contra a seguradora do shopping center por ser sua a responsabilidade direta pelo pagamento da indenização.
Claro que há alguns contratos de seguro que preveem ser possível a realização de acordo entre o shopping center e o terceiro que pretende receber a indenização por responsabilidade civil, mas nesses casos o reembolso pela seguradora ao empreendedor do valor pago a título de indenização por danos materiais e/ou morais depende de prévia anuência da seguradora ao acordo.
Após essa explanação o consumidor(a) ao ir ao shopping center em busca de um produto ou serviço, de moda e/ou beleza, com certeza estará mais informado de seus direitos.
Bibliografia:
ABRASCE. Associação Brasileira de Shopping Centers. Aspectos jurídicos em Shopping Centers. São Paulo: Editora IBEP, 2012.
FILHO, Rubens Carmo Elias. CARVALHO, Ana Carolina Paes. Direito Imobiliário: contratos de Shopping Center e suas peculiaridades. In.: Fashion Law. Direito da moda. Renata Domingues Balbino Munhoz Soares. (coord.). Editora: Almedina, 2019, p. 95-118.
MARTINS, S. L. A.; PEREIRA, C. L. A. Mas o que é este tal de fashion law? Qual a sua importância para os negócios da moda? In: Nélia Cristina Pinheiro Finotti; Andrea Kockhann; João Guilherme da Trindade Curado. (Org.). Tessituras da moda: diálogos entre o vestir, modos e comportamentos. 1ed.Goiânia: Editora Scotti, 2020, v. 1, p. 55-70.