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quarta-feira, 24 de julho de 2024

De Machado de Assis a Ruy Barbosa: A Interseccionalidade entre o Direito e a Literatura

 

O Duplo

O romance, de Fiódor Dostoiévski, foi publicado em 1846, apenas duas semanas após a publicação do primeiro livro do autor, Gente Pobre.

Inicialmente, devido ao estranhamento com o novo método artístico adotado, a obra atraiu sérias críticas daqueles que, havia pouco, ficaram tão entusiasmados com a publicação inaugural.

Neste romance, Dostoiévski, pela primeira vez, consegue refletir com maestria toda a dramaticidade do mundo caótico da consciência humana, da psique.

A trama conta a história de Yakov Golyádkin, funcionário do mais baixo escalão dentro da máquina burocrática russa, que vive atormentado pela insegurança e falta de reconhecimento de seus convivas e chefes de trabalho.

Na busca incansável por esse reconhecimento e respeito da sociedade russa, nosso herói torna-se cada vez mais espalhafatoso, ridículo e estúpido aos olhos dessa. É neste trágico e cômico cenário, com o nosso coitado personagem à beira da loucura, acometido por uma neurose, que surge no romance o segundo senhor Golyádkin. Este, criado pela psique de nossa amigo, é, em contraposição, desenvolto, falante, desinibido e persuasivo. De modo que tal rapidamente adquire o reconhecimento e o respeito de seus convivas e chefes: tudo aquilo que o senhor Golyádkin primeiro sempre quis. É justamente este fato que desencadeará o ápice da neurose de nosso desgraçado personagem, com o fim das suas esperanças de ser alguém, e o levará ao sanatório. Assim, no fundo, o máximo que ele consegue arrancar dos demais indivíduos é o sentimento de pena por sua situação e estado mental.

(imagem retirada do Blog dos Sonhos, disponível em: https://oblogdoalves.wordpress.com/2012/06/18/dostoivski-e-seu-duplo/)

Do Direito

Constata-se na supramencionada obra inúmeras passagens que nos remetem ao campo jurídico. Destacaremos apenas a principal, que está relacionada com o estado mental de nosso personagem e a sua internação em um sanatório, após o cometimento de pequenos ilícitos: a medida de segurança.

Segundo Luiz Regis Prado (2021), a medida de segurança constitui uma providência do poder político que impede que determinada pessoa, ao cometer um ilícito-típico e se revelar perigosa, venha a reiterar na infração, necessitando de tratamento adequado para sua reintegração social.

Assim, como sanção penal, de cunho peculiar e específico, tal fundamenta-se na periculosidade criminal, na probabilidade de que o sujeito volte a delinquir no futuro, demonstrada com a prática pelo agente de um fato ilícito previsto na lei penal como delito (pós-delitiva).

Desse modo, enquanto a pena baseia-se na culpabilidade, juízo de valor, e é limitada pela gravidade do delito; a medida de segurança tem fulcro na periculosidade, juízo de probabilidade, e é limitada pela intensidade da periculosidade evidenciada pelo sujeito ativo, na graduação da possibilidade de que ele volte a cometer ilícitos, e por sua eventual persistência. Exemplificativamente, naquela o indivíduo só poderá permanecer preso pelo tempo previsto no Código Penal para aquele determinado delito; em espectro oposto, nesta, mesmo que o fato típico-ilícito não seja grave, o sujeito poderá permanecer em medida de segurança por um longo período, desde que seja constatado sua periculosidade, a probabilidade de que venha a cometer novas infrações.

Nesse sentido, destaca-se que a medida de segurança deve estar sempre condicionada aos critérios de necessidade, adequação e limitação às suas finalidades, principalmente de ordem terapêutica, para que o Estado não exerça seu ius puniendi com excessos.

Transpondo tal conteúdo para a obra ora em análise, percebe-se que o nosso querido senhor Golyádkin, por estar acometido por um grave neurose (inimputável) e ter cometido pequenos ilícitos, os quais poderiam ocorrer novamente a qualquer momento, devido ao seu estado mental, deveria, após o devido processo legal, cumprir medida de segurança, com a sua respectiva internação em hospital de custódia ou com o devido tratamento psiquiátrico, a depender do caso, até que sua periculosidade, juízo de probabilidade do cometimento de delitos, seja ínfima.

1PRADO, Luiz Regis. Tratado de Direito Penal Brasileiro: 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.

Autor:

Jordano Zaparoli, Graduando em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP). É estagiário na AGRO Z NEGÓCIOS LTDA e articulista no Jusbrasil. 

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