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sábado, 27 de julho de 2024

Por que falar sobre autismo em mulheres?

Bom, se você é mulher ou nasceu com este gênero designado, provavelmente deve ter algumas respostas para esta pergunta. Uma delas certamente é a dificuldade de se conseguir diagnóstico. Já não bastassem todos as outras dificuldades típicas de ser autistas subdiagnosticados, mulheres ainda precisam lidar com profissionais que acreditam que autismo feminino não existe. Mas esta é só a ponta do iceberg.

Abaixo da água, uma das coisas que encontramos, é todo o esforço em mascarar as características autistas, algo que ainda começa na infância, devido à alta cobrança social que é mais forte para elas. Existem estudos que apontam que mulheres autistas camuflam muito mais que homens e, que na maioria dos casos, eles não mascaram ou mascaram dentro dos parâmetros neurotípicos. O nível desta camuflagem feminina é tão alta que fica difícil identificá-la, por isto, atualmente, já existem parâmetros para avaliar o masking feminino.

Aliás, mulheres autistas com inteligência superior à média, tendem a usar isto a favor da camuflagem. Ou ainda, optando por dedicar-se a áreas tipicamente femininas que podem associá-las ainda mais com o padrão neurotípico. Além disso, tendem a hiperfocar em temas que a sociedade considera contundente com o comportamento “natural” feminino: cultura pop, costura, culinária, moda, arte, maquiagem etc.

Diferente dos meninos, que muitas vezes mantém seus interesses restritos nos temas que conheceram na infância, as auties se sentem mais pressionadas a adaptar-se e, por isso, conseguem passar despercebidas por testes estândares. Infelizmente, a maioria destes usou como base características masculinas. Muitos deles, inclusive, foram feitos por profissionais que buscam provar que o autismo é resultado de um cérebro extremo masculino.

Elas também tendem a hiperfocar-se mais em seus relacionamentos, especialmente em suas crianças ou na pessoa com quem está ligada amorosamente. Uma namorada/esposa e mãe dedicada costumam ser qualidades apreciadas na sociedade e, dificilmente, serão percebidas como um interesse restrito tipicamente autístico. Isto ocorre porque por anos se negou a existência de empatia em pessoas autistas, enquanto muitas mulheres dentro do espectro usam toda a sua energia para demonstrar amabilidade e cuidado com os seus.

O trabalho por trás desta imagem da mulher que luta para manter a máscara que esconde o autismo, que muitas vezes nem elas sabem que está ali, resulta não apenas em seu esgotamento físico e mental, mas numa maior suscetibilidade à depressão e à ansiedade generalizada. Mulheres que não se adaptam, tentem a sofrer muito mais bullying e rechaço que os homens; além disso, as características tipicamente autistas são inaceitáveis numa mulher, mas perdoáveis nos varões.

O diagnóstico, mesmo que tardio, é diferente para elas. Não é apenas uma questão de entender-se melhor, mas de lutar contra esta voz que diz que o seu maior esforço é insuficiente, que você nunca será boa o bastante e não importa o quanto você se dedique, você ainda será a esquisita. Diferente dos homens, mulheres se esforçam muito mais e a sensação de que tudo é muito pesado, costuma ser mais forte neste grupo. A prova disto é a constatação de que a maioria das mulheres só é diagnosticada após terem filhos que receberam este diagnóstico e serem as únicas no entorno que entendem a estas crianças. A identificação faz com que elas busquem uma avaliação que, logo, resulta na confirmação de sua neurodivergência.

            Se você for uma mulher neurodivergente e estiver lendo isto, espero que comece a perceber que não está sozinha e que as pessoas mais importantes da tua vida irão te aceitar sem mascarar, sem tanto esforço, começando por ti mesma; desejo que você possa ter a liberdade de ser plenamente quem você é e que, com o passar do tempo, isto tudo possa ficar mais leve. Cuide-se.

Referências:
A. Mandavilli, Misdiagnosed, misunderstood or missed altogether, many women with autism struggle to get the help they need, 2015.
B. Arky, Por qué muchas niñas autistas se quedan sin ser identificadas, s/d.
C. O’K. Osborn, El autismo en las mujeres, 2020.
H. Furfaro, The extreme male brain, explained, 2019.
M. Dal Soglio, Autismo feminino e as barreiras para o diagnóstico precoce, 2021.
M. M. Asunción at all, Influencia del sesgo de género en el diagnóstico de trastorno de espectro autista: una revisión, 2018.
M. Robles e S. López, Cómo afecta el autismo a las mujeres y por qué pasa más desapercibido, 2021.
R. Simone, El Asperger en Femenino, 2013.
S. Baron-Cohen, Differences in the Brain: Implications for Explaining Autism, 2005.

Glossário:
Mascaramento/ Masking: ato (muitas vezes subconsciente) de esconder características autistas;
Neurotípico: pessoa que não é neurodivergente;
Neurodivergente: pessoa que possui um funcionamento cerebral considerado atípico (ex.: autismo, TDAH, TAG, TAB, TOC, superdotação);
Hiperfoco/Hiperfocar: ato de desempenhar imenso foco numa determinada atividade ou interesse;
Auties: redução de autistas;
Espectro: refere-se ao espectro autista; “pessoas no espectro” são pessoas autistas;

Autora:

Morgana Marinho é ativista neurofeminista, escritora, advogada, historiadora, e pesquisadora latino-americana. Entre os anos de 2020 e 2021 foi identificada como autista e superdotada, aos 34 anos.

3 COMENTÁRIOS

  1. Realmente, é bem pouco comentado sobre o autismo em mulheres. Tenho uma amiga na internet que também teve seu diagnóstico depois de adulta, e ela descobriu após ter o diagnóstico do filho dela.

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