(Homenagem a Christopher Reeve)
Lembro-me de ti quando criança: eras o meu personagem favorito. Enquanto
eu crescia, a Terra girava numa velocidade que mal me dava tempo de respirar. Mas
eu corria despreocupado com os problemas do mundo adulto, pois acreditava que
tua força nos livraria do trágico.
Tu eras invencível, imbatível, tu sempre vencias. Não me recordo de uma
derrota sequer. “Por que então caíste do cavalo?”, pergunto hoje. Pra quê cavalgar
se tu voavas? Ah, Superman… por que partiste, deixando milhões de órfãos, sem
nenhum protetor nesse Brasil?
Hoje, adulto, percebo a impotência herdada diante das tragédias e injustiças
que se acumulam no cotidiano deste país. Recordo-me daquele desastre da Gol: o
avião, após ter a asa atingida e cortada, caiu em queda livre, desgovernado. Se tu
estivesses por aqui naquele instante, chegarias numa velocidade hipersônica. Com
tua força incalculável, sustentarias a aeronave até o aeroporto mais próximo.
Centenas de vidas seriam salvas. Na caixa-preta, imagino eu o espanto das
gravações:
— É um pássaro? É um avião? Não… é o Superman.
Serias aplaudido de pé, enquanto a tua visão de raios-x revelaria os olhos
marejados das crianças e os sorrisos de alívio de seus pais. Sairias com o gosto do
dever cumprido: proteger o fraco, o oprimido, o necessitado. No dia seguinte,
estarias nas manchetes nacionais.
Como desejei ser como tu fostes. De mãos cerradas ao ar, com uma toalha
amarrada ao pescoço, eu me sentia livre e poderoso. Eu era pássaro, era avião, era
um “super mirim”. De lá para cá, quantos ciclones e terremotos devastaram nosso
futuro. Quantas vidas poderias ter resgatado num movimento de bravura?
Deslizarias pelo céu, desafiando o espaço-tempo, mudarias o curso de nosso
destino. Amenizarias toda essa saudade que eu sinto de ti.
E nossos inimigos mais cruéis? Não usam capas nem vestem máscaras
visíveis, antes vivem entranhados nas estruturas do poder: sugando os recursos
públicos e sobrevivendo as queda de qualquer altura. Para enfrentá-los, talvez nem
a Liga da Justiça fosse suficiente. Pois aqui, quando se tenta prender um dos vilões,
sempre há uma caneta com poderes mágicos pronta para libertá-los.
Que falta faz teu bom senso e tua inteligência. Um heroísmo quase
ingênuo. Tu fazias o bem mesmo quando eras execrado pelos despachos
vinculantes do Planeta Diário. Vivias somente de gratidão, não de vingança.I
mpossível encontrar por aqui alguém com tamanha bondade. Por que não me
deixaste ao menos metade daquele poder imaginário que eu tinha? Que fosse por
mais algumas décadas.
Por aqui deixaste muitos Kents entre nós: escondidos, inseguros e
esquecidos de nossos guerreiros históricos.
Agora, a milhares de anos-luz distante, talvez estejas numa galáctica
Krypton celestial. Kal-El, filho das estrelas, deves estar olhando para nós mortais
nesse momento e refletindo sobre o quanto é duro ser herói neste Brasil.

Autor:
Samuel Moraes

