“Todo relacionamento há uma lei: jamais deixe a pessoa que você ama se sentir sozinha. Especialmente se você estiver ao lado dela.”
Ao ler aquele bilhete deixado por seu psicólogo em sua timeline, Ana se recordou de quando tudo começou a desmoronar em seu relacionamento de mais de duas décadas.
Quando Ana recebeu o ultimato de Caio de que não poderia mais seguir adiante naquele relacionamento, ela foi tentando se acostumar com a ausência dele até que ele foi virando apenas uma lembrança estampada num porta-retrato qualquer no canto da sala ou, na melhor das hipóteses, nas recordações das fotos do seu álbum de fotografia do seu celular.
Aquele amor genuíno que ela sentia por ele foi se dissipando paulatinamente, até que tudo se transformou apenas em sensações vividas ao longo de tantos anos ao lado dele. Era o que ela afirmava a si mesma todo santo dia, mas não era bem assim.
As tentativas de esquecer os momentos ruins vividos em sua relação com ele para que pudesse seguir em frente sem aquele amor, foram descartadas. Infelizmente as recordações da mais pura solidão vivida ao lado de Caio, fizeram com que ela se sentisse vulnerável e fragilizada ao ponto de dar espaço para outra pessoa entrar na vida de Ana.
Mas, por mais que ela soubesse disso, intimamente, Ana tentava resgatar aquele amor que sentia por Caio a todo custo, dizendo a si mesma que ele era o homem mais importante de sua vida, mesmo sentindo o distanciamento inequívoco dele. Uma sentença silenciosa. Uma pena de morte emocional.
A dor do vazio deixada por ele e a solidão do luto permanente já eram suficientes para dar um novo rumo à vida de Ana.
Ela tinha motivos de sobra para ter se permitido conhecer outra pessoa – assim como Caio permitira a si mesmo – mas ele, em sua majestosa autoridade, decidiu que Ana estava condenada a pagar pelos seus “erros”.
A vida seguia seu curso, como as águas imparáveis que buscam incessantemente novos lugares para dar o ar de sua graça, mas Ana parou no tempo.
O que era dor e solidão no coração de Ana, se transformou em apatia; a apatia deu lugar a um muro de concreto erguido dentro do seu coração e dentro dele um grito ecoava por um pedido de ajuda de alguém, pois ela sentia, em seu íntimo, que aquela condenação estava longe de ter sido justa.
A certeza que Ana tinha do quanto fora machucada com a ausência permanente de Caio dentro de seu relacionamento, era motivo suficiente para pensar que o distanciamento de Caio tinha sido a melhor resposta para sua vida. Mas, o tiro saiu pela culatra. Aquela certeza toda se esvaiu e deu lugar a um rio de lágrimas derramado por ela nas madrugadas em seu confidente travesseiro ao longo dos dias que transformou seu coração de forma que ficasse gélido e sem cor.
O brilho no olhar de Ana já não existia mais e os sentimentos de menos valia se sobrepuseram a qualquer outro que um dia existiu dentro de si.
Logo, a vontade de se distanciar do mundo tomou conta do seu ser e a necessidade de migrar para outro lugar era latente, mesmo que ela soubesse em seu íntimo que não seria eficaz.
A busca por um lugar que a fizesse sentir viva outra vez era cercada de armadilhas de sentimentos de culpa, arrependimento e doses de escárnio de si mesma, uma vez que Caio a fez acreditar que ela também não tinha sido a melhor companheira na vida dele.
Ana sabia que havia errado por ter feito escolhas que a fizeram se arrepender amargamente, mas todos os seus erros foram cometidos com a anuência da ausência efetiva de Caio na vida de Ana e tudo que era sentido por ela se resumia a um único sentimento: dor.
A dor se perpetuava por dias a fio e esses dias foram vividos como se fossem uma eternidade.
O barulho das correntes presas e arrastadas pelos seus pés a fazia ter a certeza de que a vida tinha pregado uma peça de teatro em que o enredo da história era devastador: a mocinha estava sendo vista como a bandida da história e Ana lutava contra sua própria consciência que a condenava a viver num lugar de solidão em que ninguém poderia alcançá-la, mesmo ela sabendo que tudo o que fizera tinha sido para resgatar o que ainda havia sobrado nela dentro daquela relação.
Ana nunca havia se sentido amada o suficiente por Caio e, por mais que ele afirmasse aos quatro cantos que ele era um homem presente, estava longe de ser isso o que fazia com que Ana se sentisse desprotegida e desamparada fazendo com que esses sentimentos dessem margem para que ela tomasse uma decisão que não teria mais volta.
Por mais que Ana lutasse para sair daquele porão escuro, que era seu maior pesadelo, percebia que era em vão a luta por sua redenção. Caio havia conseguido, com louvor, mudar o roteiro do script das cenas de forma que Ana se sentisse a pior mulher do mundo pelas escolhas que ele mesmo havia feito, mesmo que inconscientemente, por ela.
Exausta, Ana finalmente adormeceu tentando silenciar o caos dentro de si. Quando tentou despertar, seu corpo não respondeu. Sua alma, cansada de procurar luz onde só havia escuridão, havia partido primeiro. A solidão – essa companheira fiel – venceu.

