17.2 C
São Paulo
quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Como o brechó mudou minha relação com a moda (e comigo mesma)

Desde que me lembro de pensar sobre o assunto, sempre considerei a moda uma indústria excludente. Quase tudo nesse segmento nos induz a uma mentalidade de escassez. Quando era criança, lembro-me de ouvir uma tia comentar que dava para saber muito sobre uma pessoa pela forma como ela se veste. Segundo ela, as roupas eram capazes de revelar se alguém era vaidoso, que imagem desejava transmitir e até mesmo qual era o seu poder aquisitivo.

Resumo da ópera: ela acreditava que, apenas ao olhar uma pessoa, era possível vislumbrar a que camada social aquele indivíduo pertencia. Talvez eu nunca tivesse parado para refletir sobre isso se aquele diálogo não tivesse me atravessado; embora ela nem estivesse se dirigindo diretamente a mim.

Quando você pertence à classe média, costuma vivenciar um pouco dos dois mundos. Pode ousar sonhar com algumas coisas, mas também tem que aprender a administrar a falta. Na adolescência, eu sempre herdava roupas de uma prima que tinha a minha idade, mas um estilo completamente diferente do meu. Por um lado, era bom saber que meus pais não precisariam gastar com aquilo; por outro, era difícil adaptar as peças para que combinassem comigo. Conto essa história, que pode parecer irrelevante, porque ela faz parte do caminho até o contexto atual.

Minha mãe sempre dizia que era melhor investir em peças neutras, pois assim ninguém se lembraria com clareza quando as repetíssemos. Segundo ela, o ideal era comprar calças e blusas, já que duas peças diferentes poderiam ser combinadas de várias formas. Vestidos e macaquinhos, por sua vez, deveriam ser lisos, para chamar menos atenção. Meu pai reforçava: “na dúvida, vá no básico”.

Com o tempo, percebi algo curioso: quanto mais cara era a roupa, menor a chance de encontrar alguém usando uma igual. Assim, era comum chegar a festas e ver duas ou três pessoas com a mesma blusa comprada em loja de departamento, e não se iluda, isso não é fruto do acaso. A moda alimenta o desejo de possuir, e quanto mais inacessível, mais valorizada uma peça se torna. Isso se repete em outros mercados, como o de celulares: modelos com menos tecnologia, mas com uma marca de prestígio, demoram mais a desvalorizar.

Dito isso, chego à minha recente descoberta dos brechós. Não é algo novo, pois sempre existiram, mas parecem estar ganhando mais visibilidade. Estão favorecendo reflexões sobre a indústria da moda, uma das que mais poluem o planeta.

Sabemos que a produção de uma calça jeans, por exemplo, é extremamente nociva ao meio ambiente. Também conhecemos as denúncias de trabalho escravo em fábricas que abastecem lojas virtuais com preços absurdamente baixos. Ainda assim, nem sempre buscamos alternativas, porque somos engolidos pela rotina.

Aos poucos, percebo uma nova onda surgindo. De repente (ou talvez nem tão de repente assim), os brechós tomaram conta das esquinas e passaram a oferecer uma forma mais acessível e sustentável de consumir. Neles, podemos levar roupas que já não nos agradam, trocar ou vender, e adquirir outras que se encaixam melhor em nosso estilo atual. Afinal, a moda possui poderes muito específicos.

As roupas podem nos ajudar a transmitir seriedade ou espontaneidade. Podem nos fazer sentir melhor em dias ruins, sugiro inclusive, que quando estiver mal por algum motivo da vida (que vive nos dando rasteiras), que você vista sua melhor roupa. Isso sempre me dá mais segurança para enfrentar um dia de trabalho.

Devaneei, mas volto para dizer que a democratização do acesso me fez perceber que posso ousar mais nas escolhas, experimentar estilos diferentes e mudar de ideia sem o peso do arrependimento de ter gasto mais de cem reais em um vestido e me sentir obrigada a usá-lo até “valer o investimento”.

Nos brechós, encontro peças que custam de 30 a 3.000 reais, pois existem opções para todos os gostos e perfis: há quem garimpe marcas, há quem garimpe histórias; como quem compra móveis antigos em antiquários. No fim, o que realmente importa é dar uma nova chance a algo que talvez fosse parar no lixo, mas agora pode fazer alguém feliz.

A moda circular me fez abrir espaço para as cores, transitar entre estilos e encontrar um destino digno para peças que um dia me fizeram feliz. Mais do que isso, me fez entender que a moda pode e deve se transformar para ser mais inclusiva. A criatividade e a ousadia de experimentar o novo e reinventar o antigo também fazem parte desse processo, pois nem sempre as peças chegam impecáveis, sem marcas de uso. Mas, no fundo, abraçar o passado é parte essencial dessa beleza.

Escrevo porque acredito no poder do compartilhamento e da reflexão. Sigamos pensando sobre processos que muitas vezes vivemos no automático.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Patrocínio