Round 6 é uma daquelas experiências audiovisuais que redefinem os limites do que esperamos de uma série de entretenimento. Disponível na Netflix, a obra dirigida por Hwang Dong-hyuk abandona qualquer resquício de inocência e mergulha fundo no abismo da avareza humana, brutalidade social e fragilidade moral. A série intensifica as cenas de violência, adiciona nuances filosóficas e aprofunda o desespero das personagens, elevando o roteiro à beira da tragédia grega, mas com roupagem pop coreana.
O universo da série é, por definição, claustrofóbico: centenas de desesperados são lançados em jogos infantis letais em busca de uma redenção impossível ‒ ou talvez, uma simples sobrevida financeira. Se na versão original já havia uma crítica corrosiva ao capitalismo selvagem, aqui, as metáforas são ainda mais explícitas — e, por vezes, quase escandalosas. O sangue não é apenas espetáculo: é sintoma. Cada personagem torna-se não apenas vítima, mas cúmplice, agente ativo num experimento social de psicopatia coletiva.
No plano visual, tudo soa excessivo. Cada cor, cada cenário hiperestético serve para alienar e seduzir, revelando a artificialidade de uma sociedade obcecada pela estética da competição e pela metafísica do dinheiro fácil. Hwang Dong-hyuk não economiza nas ironias: os jogos infantis são o ponto de partida para uma narrativa cruel onde a infância é apenas lembrança errática de uma inocência perdida, engolida pelo consumo e pelo desemprego.
Refletir sobre Round 6 é mergulhar na angústia latino-americana também: o Brasil dos desvalidos, dos invisíveis, dos que vivem apostando a própria sorte em algum esquema milagroso, ecoa nessa distopia coreana com uma autenticidade desconcertante. A série nos obriga a confrontar o próprio papel como espectador — cúmplice da violência e voyeur dos fracassos alheios. No fundo, talvez seja esse o verdadeiro jogo: o de fingir que estamos acima do tabuleiro, quando na verdade, participamos dele todos os dias.
Avaliação: 9,3.

