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sexta-feira, 22 de novembro de 2024

A copinha

Após as merecidas férias, os atletas dos diversos clubes brasileiros estão retornando ao trabalho. Isto não significa que o futebol viveu os últimos dias “apenas” de negociações e, agora, dos exames médicos e dos primeiros treinamentos. O mês de janeiro, nos últimos 52 anos, é marcado por uma competição de grande relevância para os jovens que sonham em jogar profissionalmente: a Copa São Paulo de Futebol Júnior, também conhecida como Copinha.

Vamos rapidamente traçar a sua história. Ela é disputada desde 1969, no início do ano, uma vez que a final da disputa faz parte das comemorações do aniversário da cidade de São Paulo, 25 de janeiro. Originalmente, era denominada de Taça São Paulo de Juvenis e era organizada pela Prefeitura de São Paulo e não pela Federação Paulista de Futebol (FPF). No decorrer da sua trajetória, a competição só não ocorreu por duas vezes, em 1987, quando o prefeito Jânio Quadros afirmou que não tinha recursos para arcar com a disputa e no ano passado, 2021, em virtude da pandemia da Covid-19.

Nos seus dois primeiros anos, a competição se restringiu aos clubes do Estado de São Paulo, no entanto, a partir de 1971, ela passou a abrigar clubes de todo o Brasil e também ganhou o apelido carinhoso de Copinha. Equipes de outros países e até seleções nacionais sub-20, como a do Japão (1995) e a da China (1997), já participaram da competição. O clube estrangeiro debutante foi o Providencia do México em 1980. Nos dois anos seguintes o argentino Vélez Sársfield disputou a Copinha. Em 1985 foi a vez do gigante alemão Bayern de Munique. Entre 1993 e 1997 a FPF convidou equipes estrangeiras como o Boca Juniors, o Peñarol, o Cerro Porteño, entre outros.

Como os visitantes jamais passaram da fase de grupos, a ideia de tê-los de forma recorrente foi abandonada. Hoje, as equipes estrangeiras são eventualmente convidadas. Em 2014, por exemplo, patrocinando a competição, o Kashiwa Reysol, do Japão, não só foi convidado como também foi a primeira equipe estrangeira a passar da fase de grupos. Acabou eliminada pelo Santos na etapa seguinte.

É curioso, ou melhor, uma consequência, como o futebol segue a mesma linha econômica que tradicionalmente caracterizou o Brasil. O país, ao longo da sua história, caracterizou-se por ser exportador de produtos primários, particularmente, agroexportador. Tendo uma economia menos pujante e, consequentemente, vivendo a maior parte do tempo com uma moeda desvalorizada, nos vemos na contingência de vender nossos jovens talentos para o exterior, o que denominarei de craquexportador.

Farei uma breve digressão para que o leitor menos acostumado com a economia possa se situar em relação à afirmação acima: de forma simples e exemplificando com o real e o dólar. A desvalorização cambial faz com que a nossa moeda perca valor em relação ao dólar, ou seja, os produtos nacionais ficam mais baratos no mercado internacional e com isso é preciso gastar menos dólares para se comprar, por exemplo, uma tonelada de soja ou um jogador de futebol. O resultado para o mercado interno é a ausência de jogadores diferenciados em nosso futebol assim como os preços mais elevados para os produtos que são exportados. Não foi isto que vivenciamos com a carne e com outras mercadorias de exportação?

O efeito de elevação dos preços internamente não pode ser compensado via importação, uma vez que elas também ficam mais caras já que precisamos desembolsar mais reais para adquirir o mesmo dólar. Mas, antes que você, caro leitor e amigo, resolva brigar em prol da valorização do real, lembro que tal mecanismo também pode gerar efeitos negativos e graves para a economia. Calma, fico só até aqui com o economês uma vez que a crônica não é para ser publicada no Caderno Econômico, mas na coluna de esportes. Por isso, vamos retornar aos nossos gramados.

Uma vez que o futebol brasileiro é formador de “pé-de-obra” é óbvio que a Copinha é um torneio muito observado não só pela imprensa, pela torcida, pelos clubes, mas também por empresários estrangeiros, uma vez que ela é uma grande oportunidade para se descobrir futuros craques a preços módicos internacionalmente.

As torcidas, sempre ansiosas por ídolos, esperam que os jovens talentos possam se tornar os futuros craques dos times profissionais para os quais torcem. Os clubes brasileiros, em sua maior parte, amargando constantes déficits, precisam vender alguns atletas, inclusive as promessas, para fechar suas despesas. A operação tem dois lados perversos, o clube não valoriza adequadamente o jogador e o valor obtido é inferior ao que poderia ser conseguido e, para nós, torcedores, perdemos a oportunidade de ver jogadores talentosos atuando em nossas competições e por nossos clubes. Para os empresários e clubes estrangeiros é a oportunidade de fazer aquisições de qualidade e baratas, minimizando, desta forma os riscos.

Em relação aos jogadores, independente da camisa que vestem, eles sonham com a oportunidade de virar uma revelação, de vingar no futebol profissional, de assinar contratos milionários e ganharem o status de celebridades. Só é preciso lembrar que, apesar da imprensa ressaltar os nomes de Falcão, Raí, Djalminha, Dener, Rogério Ceni, Dida, Marquinhos, Gabriel Jesus, Neymar, Vinícius Júnior, entre outros, o percentual daqueles que alcançam tais objetivos é bastante pequeno.

Como torcedor e cidadão, adoraria que as jovens promessas, como o Endrik, Matheus França, Giovane, Rwan, para citar apenas alguns, permanecessem mais tempo atuando no futebol nacional e que a grande maioria, que não vingará, conseguisse seguir a vida de forma digna.

Infelizmente, isto não será possível e, sem mudanças estruturais profundas, valorizando a educação, a saúde, a segurança, a igualdade social, a cultura, a melhor distribuição de renda, a geração de empregos, continuaremos enviando nossos melhores produtos para fora e, no caso do futebol, cada vez mais cedo. Enfim, o país precisa de projetos de Estado, que são planos de longo prazo, e não mais de planos de governo. Assim podemos criar uma cultura de planejamento e superar a fisiologia e o oportunismo que é a marca da política e dos políticos nacionais.

Atualmente, só me resta ver os jovens talentos na Copinha e, posteriormente, alguns deles, nos gramados estrangeiros. E para aqueles que insistem em achar que o futebol é apenas diversão ou algum tipo perverso de engodo, fica claro que ele é diversão, cultura, política, economia, sociedade e cidadania.

Autor:

Luiz Henrique Borges

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