Há quem diga que o momento pelo qual atravessa o Brasil são mares nunca antes navegados. Mas a tormenta é antiga… e parte desse filme nós já vimos antes. O cólera na década de 80 e a desnutrição que se estendia até os anos 90 assolavam o convés de grandes problemas da saúde pública, combatidos por seus respectivos governos. A despeito de pormenores desse ou daquele líder do executivo, seus discursos e ações ao menos estabeleciam um mínimo de coerência com o cargo que ocupavam.
Um comandante que zele por sua tripulação estará sempre atento ao que dizem os especialistas e estudiosos, pois estes possuem a capacidade de informar a previsão do tempo ou sobre possíveis rochas imersas na rota da embarcação. Sem saber do plano de navegação e das condições climáticas, não há como zarpar. Seria, para dizer pouco, uma grande irresponsabilidade para com o pessoal a bordo. Algo impensável para um capitão que seja digno de sua patente.
Este barco está desgovernado e seu timão está em terra firme (“A fiel não te abandona”), nas ruas, somando-se aos protestos, enquanto o imediato só observa. As ondas de pandemia tornaram-se tempestades oceânicas, que ora descem, ora sobem em um vai-e-vem que causa náusea e tremendo mal-estar. O balanço é negativo. Ultrapassamos 600 mil baixas, com incontáveis sequelas, diante de um radar que está sinalizando os obstáculos logo à frente, sem qualquer perspectiva de superá-los.
Marcha o soldado cabeça de papel orientado por uma bússola magnetizada no retrocesso da economia neoliberal, marcha ré no combate ao contágio e às desigualdades sociais. Na torre de comando, subalternos e piratas, frutas que não caíram longe do pé, ladrões de nosso tesouro, negociam nosso futuro em cargos nos ministérios a doses de propinas. Certamente, demos uma guinada de 180 graus… e seguimos assim, em meia-volta volver, de tempos em tempos, perdidos em alto mar.
O cenário assusta. Diante das nuvens carregadas (de inflação e desemprego) que se anunciam, uma ressaca de desocupados se espalhará pela orla. Poderíamos aprender com outras caravelas, como a gripe espanhola ou a influenza (em alto retorno, diga-se de passagem), ou com iates atuais, à nossa dianteira, que se depararam com entraves preocupantes por conta das variantes, por exemplo, e providenciam políticas eficazes de navegação. Mas estamos às cegas, sem dados oficiais, a ver navios… Em outras águas já há a constatação nítida do perigo, profetizando que estamos entregues à deriva, pois será apenas uma questão de tempo até furar o casco de nossa embarcação, em um retrocesso de altos índices diários. Com o menor crescimento entre os emergentes, nos agarraremos a objetos flutuantes para sobrevivência.
O fato é que estamos às emendas, sempre atrasados, na popa de um barco corroído, lançado ao próprio azar, sem comando. Quem sabe não nos deparamos com uma corrente marítima que nos leve a algum lugar? Ou nos chegue novos ventos a içar nossa vela à alguma direção? Pois na localização em que nos encontramos não há terra à vista para ancorar. Voltas ao léu.
Quem tiver bóia que fique de prontidão… pois o capitão largou mão, é salve-se quem puder! Esse mar não tá para peixe, há piranhas e tubarões de olhos bem abertos. No abandono do navio, o molusco já avisou que dará o bote e retomará o controle… dizem até que ele já está chegando à proa…
Segundo os meteorologistas, há uma tempestade se formando para 2022, com choques de massas de ar polar. Prepare-se, pois essa onda ainda vai dar o que molhar.
Autor:
Guaraí Pereira Machado, técnico em gestão de políticas públicas, professor de línguas e literaturas, formado em Letras pela USP.