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sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Tudo muda, muda, e fica como estava. 

Talvez seja fase ruim, mas você sabe que pode piorar. Piorar para você, claro! Essa foi a coisa mais leve que ele ouviu da chefe quando disse que está com dificuldade para concluir a matéria no prazo. Não há jeito certo de se fazer a coisa errada.

Arrasado com a bronca e a possível demissão, ele foi ao bar, mas o único lugar livre era no balcão, ao lado de uma estranha. Sentou-se, chamou o garçom, mas a mulher empurrou-lhe uma taça com vinho e propôs um brinde:

  • Ao fracasso! Seu dia foi tão ruim quanto o meu? Sou Mia Kuda, promoter.
  • Ao nosso fracasso! Meu dia foi péssimo. – Prazer, sou Pena, jornalista.

Ela tem dois dias para indicar debatedores para um evento pré-COP-30, que tem verba pública, plateia, mas faltam “grandes nomes” para debater. Soraio, o chefe, cobra urgência, mas Mia Kuda não sabe nem por onde começar.

Ele tem de entregar uma matéria louvando a COP-30. Jaima, Diretora de Redação, quer algo impactante, que agrade o Governo, a oposição e o leitor, mas ele não tem ideia de como fazer isso sem se comprometer. A polarização é tanta que o que quer que escreva terá 50% de rejeição, sem garantia de que os outros 50% apoiem.

Quando disseram onde trabalham, Pena e Mia lembraram que a chefe dele é amante do chefe dela, ambos politiqueiros. Mais duas taças e a conversa fluiu, criticando os chefes e lamentando o péssimo ambiente de trabalho. Ela sugeriu bons tópicos para a matéria e ele disse ter grandes nomes para indicar. Daí até a cooperação, dois palitos (nunca entendi essa expressão). 

Após entregar as tarefas, demitiram-se e viajaram para o Litoral. Chega de trabalhar para crápulas! Enquanto isso, de um hotel em Ilhabela, Soraio, chefe de Mia Kuda, mandou tocar o evento e Jaima, chefe do Pena, assumiu a autoria da matéria. Não se aborreceram com as duas demissões. Gentinha ordinária!

Os problemas começaram quando Décio Paul, marido de Jaima e dono do Jornal, recebeu pedido de explicações sobre a matéria que culpa o Governo pelos danos ambientais, denuncia propinas, cita nomes de políticos e empresários. Kara Mello, esposa de Soraio, amante de Décio Paul e sócia da agência de eventos, foi cobrada pela baixaria patrocinada pelos “grandes nomes”, mas que a plateia amou.

A tal matéria trouxe verdades inconvenientes. Houve CPI, processo, mas tudo foi arquivado por falta de provas. Só dois auxiliares terceirizados foram punidos. Já os debatedores Hildebrando Nepomuceno, Austregésilo Anaxágoras e Epaminondas Brancaleone, que têm realmente nomes bem grandes, trabalham no Clube de Comédia e nada entendem de Meio Ambiente. Contaram piadas hilárias, cativaram o público e foram contratados por um produtor de shows. 

Décio Paul perdeu a verba de publicidade oficial e teve de deixar o Jornal. Kara Mello não é mais sócia no negócio, Jaima deixou Redação e Soraio foi demitido. Mas todos sabem que logo estarão de volta à cena, pois têm padrinhos fortes.

Os quatro aloprados reencontraram-se na praia. Não estão nem aí para as traições e vão dar um tempo no exterior até a poeira baixar. Foram tomar caipirinha e nem reconheceram os donos do Quiosque, Mia e Pena, que terão de ralar muito no novo ramo para sobreviver, mas amaram recusar crédito aos antigos chefes. 

A matéria, aquela que denunciou tudo, venceu o Prêmio Pulitzer de Jornalismo, mas o verdadeiro autor não pode receber o mérito. Como diz a antiga música, os de cima sobem e os de baixo descem. Vida que segue.

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle). Crônicas de humor toda sexta-feira, às 10h.

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