Ainda existe casamento por amor? Sim. Existe. Érica e Bento Anhão casaram-se por amor. Ela ama a fazenda dele e ele ama os bilhões do pai dela, mas o sogrão só transfere a fortuna se o casal lhe der um neto com seu nome, Edgar. Sempre que ela engravida, é alarme falso. Durante última internação, mais uma gravidez psicológica, aconteceu algo inusitado.
Naquele dia, nasceu um bebê tão feio que a enfermeira desmaiou e o médico ligou para sua analista para encaixar consulta emergencial. O guri era tão fraco de feição que foi isolado para não assustar os outros recém-nascidos. Bento Anhão agiu logo. Comprou a criança e bancou a viagem dos pais para o exterior. Todos ganharam. Os pais levaram uma bolada, Bento e Érica levaram Edgar Anhão para casa.
Quem visita o bebê, não leva os filhos pequenos, com medo de não dormirem à noite. O rebento cresceu desabonitado, mas os pais descobriram que o que ele tem de feiura, tem o triplo em inteligência. Ser o melhor aluno da classe evitou o bullying e rendeu o respeito dos professores, mas respeito é uma coisa, carinho é outra. A carência afetiva era tamanha que Edgar Anhão ia a velórios e missas de 7o dia de desconhecidos, só para abraçar alguém.
O pai o introduziu nos negócios e poucos anos depois, sofreu AVC. Edgar cuidou do velho, amparou a mãe, assumiu os negócios e triplicou a fortuna. O rico patinho feio foi cortejado pelas mais belas moças, que o admiravam não pela riqueza, mas pela inteligência, claro. Edgar Anhão soube tirar proveito, namorou muito, casou-se 3 vezes e blindou a fortuna para evitar problemas com separação judicial. Porém, foi generoso nas pensões e nas polpudas mesadas para os filhos.
Antes de encerrar a temporada terrena, seus pais adotivos, Bento e Érica Anhão, viram nascer 16 netos, sendo 7 dos 3 casamentos e 9 de relações aleatórias. Atento às crianças abandonadas, como ele mesmo fora, Edgar fundou um orfanato e tornou-se “pai-trocinador” de 30 órfãos. A Câmara Municipal o agraciou com o título de “Grande Pai”.
Todo Dia dos Pais ele dá uma festa e convida as crianças do orfanato. Os filhos usam crachás com o próprio nome e o da mãe, para que ele, filhos e mães não se confundam. Mesmo assim, algumas mães levam filhos errados para casa e às vezes se recusavam a trocar.
Preocupado com o menor abandonado, sugeriu ao doutor Giuseppi Kharetta, seu advogado e Deputado Federal, criar uma Comissão de Amparo à Infância. Edgar Anhão foi várias vezes à Câmara para defender a ideia, mas desanimou ao ver que os políticos só se interessam por outro tipo de comissão.
- Giuseppi, por que os deputados não se envolvem com essa causa?
- Político só se preocupa com coisas rentáveis, concorrências, emendas parlamentares.
- Mas nas campanhas eles sempre prometem apoiar a infância, os idosos, as mães solteiras.
- Essas causas rendem votos, mas não rendem verbas, que é o que interessa. Uma vez eleitos, o foco muda.
- O problema do menor abandonado é um fato importante.
- Fatos são fatos, mas o que conta mesmo são as narrativas.
Edgar Anhão continuou se dedicando à caridade. Muitas mulheres procuravam o ricaço mão aberta para reconhecer paternidade e o número de filhos subiu para 23. Certo dia, ele sofreu leve infarto, recuperou-se e chamou o doutor Giuseppi Kharetta para tratar do Testamento. Deixou quase tudo para os órfãos e outras causas sociais, pouquíssimo para os filhos e nada para as mães.
- Não entendi – disse o advogado. Por que fez isso com seus filhos?
- Eles não são meus filhos biológicos.
- Como assim?
- Além de ter nascido com baixa resolução, os exames provaram que eu sou estéril. Não posso ter filhos.
- E os filhos dos três casamentos? E os avulsos? Como você explica isso?
- Tudo fruto de traição. Aquelas mulheres queriam apenas vida boa e o meu dinheiro.
- Mas você reconheceu todos! Até ganhou o título de Grande Pai.
- Menti para ostentar e esse título me trouxe muita fama. Como vocês dizem na política, a narrativa vale mais que o fato. Vida que segue.
Ô dó! O garoto é fraco de feição e desabonitado!
Você precisa registrar estes termos, Laerte!
Sabemos que a lei não permite ao pai deixar tudo para terceiros e não aquinhoar seus descendentes. Mas, na ficção tudo é possível….
É por isso que gosto de ficção. Lá, a gente faz o que bem entende. KKK. Obrigado pelo comentário.