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segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Grande Pai!

Ainda existe casamento por amor? Sim. Existe. Érica e Bento Anhão casaram-se por amor. Ela ama a fazenda dele e ele ama os bilhões do pai dela, mas o sogrão só transfere a fortuna se o casal lhe der um neto com seu nome, Edgar. Sempre que ela engravida, é alarme falso. Durante última internação, mais uma gravidez psicológica, aconteceu algo inusitado.

Naquele dia, nasceu um bebê tão feio que a enfermeira desmaiou e o médico ligou para sua analista para encaixar consulta emergencial. O guri era tão fraco de feição que foi isolado para não assustar os outros recém-nascidos. Bento Anhão agiu logo. Comprou a criança e bancou a viagem dos pais para o exterior. Todos ganharam. Os pais levaram uma bolada, Bento e Érica levaram Edgar Anhão para casa. 

Quem visita o bebê, não leva os filhos pequenos, com medo de não dormirem à noite. O rebento cresceu desabonitado, mas os pais descobriram que o que ele tem de feiura, tem o triplo em inteligência. Ser o melhor aluno da classe evitou o bullying e rendeu o respeito dos professores, mas respeito é uma coisa, carinho é outra. A carência afetiva era tamanha que Edgar Anhão ia a velórios e missas de 7o dia de desconhecidos, só para abraçar alguém.

O pai o introduziu nos negócios e poucos anos depois, sofreu AVC. Edgar cuidou do velho, amparou a mãe, assumiu os negócios e triplicou a fortuna. O rico patinho feio foi cortejado pelas mais belas moças, que o admiravam não pela riqueza, mas pela inteligência, claro. Edgar Anhão soube tirar proveito, namorou muito, casou-se 3 vezes e blindou a fortuna para evitar problemas com separação judicial. Porém, foi generoso nas pensões e nas polpudas mesadas para os filhos.

Antes de encerrar a temporada terrena, seus pais adotivos, Bento e Érica Anhão, viram nascer 16 netos, sendo 7 dos 3 casamentos e 9 de relações aleatórias. Atento às crianças abandonadas, como ele mesmo fora, Edgar fundou um orfanato e tornou-se “pai-trocinador” de 30 órfãos. A Câmara Municipal o agraciou com o título de “Grande Pai”. 

Todo Dia dos Pais ele dá uma festa e convida as crianças do orfanato. Os filhos usam crachás com o próprio nome e o da mãe, para que ele, filhos e mães não se confundam. Mesmo assim, algumas mães levam filhos errados para casa e às vezes se recusavam a trocar.

Preocupado com o menor abandonado, sugeriu ao doutor Giuseppi Kharetta, seu advogado e Deputado Federal, criar uma Comissão de Amparo à Infância. Edgar Anhão foi várias vezes à Câmara para defender a ideia, mas desanimou ao ver que os políticos só se interessam por outro tipo de comissão. 

  • Giuseppi, por que os deputados não se envolvem com essa causa?
  • Político só se preocupa com coisas rentáveis, concorrências, emendas parlamentares.
  • Mas nas campanhas eles sempre prometem apoiar a infância, os idosos, as mães solteiras.
  • Essas causas rendem votos, mas não rendem verbas, que é o que interessa. Uma vez eleitos, o foco muda.
  • O problema do menor abandonado é um fato importante.
  • Fatos são fatos, mas o que conta mesmo são as narrativas.

Edgar Anhão continuou se dedicando à caridade. Muitas mulheres procuravam o ricaço mão aberta para reconhecer paternidade e o número de filhos subiu para 23. Certo dia, ele sofreu leve infarto, recuperou-se e chamou o doutor Giuseppi Kharetta para tratar do Testamento. Deixou quase tudo para os órfãos e outras causas sociais, pouquíssimo para os filhos e nada para as mães.

  • Não entendi – disse o advogado. Por que fez isso com seus filhos?
  • Eles não são meus filhos biológicos.
  • Como assim?
  • Além de ter nascido com baixa resolução, os exames provaram que eu sou estéril. Não posso ter filhos.
  • E os filhos dos três casamentos? E os avulsos? Como você explica isso?
  • Tudo fruto de traição. Aquelas mulheres queriam apenas vida boa e o meu dinheiro.
  • Mas você reconheceu todos! Até ganhou o título de Grande Pai.
  • Menti para ostentar e esse título me trouxe muita fama. Como vocês dizem na política, a narrativa vale mais que o fato. Vida que segue.
Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle). Crônicas de humor toda sexta-feira, às 10h.

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