Nos últimos dias, a implantação de novas tarifas pelos EUA trouxe à tona discussões relacionadas ao impacto sobre o valuation de empresas brasileiras, bem como sobre os balanços financeiros e a dinâmica econômica dessas organizações. O contador e consultor em Comércio Exterior José Luiz de Sousa Neto compartilha sua visão para ajudar no entendimento da questão, destacando os principais efeitos contábeis e financeiros, além da consequente dinâmica no contexto empresarial advinda desse novo evento externo. Ele também explica a conjuntura histórica americana relacionada ao comércio exterior.
A implantação de tarifas pelos EUA tem como objetivo a retomada do protagonismo econômico, estimulando a produção interna, a geração de empregos e o aumento da arrecadação. Por muitas décadas, os Estados Unidos utilizaram o comércio exterior como instrumento de poder sobre os demais países, alcançando tamanha influência que o dólar se tornou a moeda de referência no mundo. Isso culminou na compra de títulos da dívida do Tesouro americano pelas maiores economias globais.
Atualmente, a política americana visa manter essa influência e poder sobre os demais países por meio do uso de tarifas contra aqueles que se opõem à hegemonia do dólar e aos interesses dos EUA. Ao mesmo tempo, essa política inverte a lógica do comércio exterior: se no passado era vantajoso que as multinacionais americanas produzissem em países de baixo custo, agora são estimuladas a retornar ao solo americano. Isso ocorre porque muitas dessas empresas já não possuem o diferencial de oferecer produtos e serviços exclusivos, competindo em condições semelhantes com multinacionais de países periféricos. Assim, perdem tanto na geração de empregos quanto na competitividade no mercado interno, afirma José Luiz de Sousa Neto.
Um dos impactos se dará no aumento dos custos das empresas brasileiras, já que muitos insumos são importados dos EUA e têm sua cotação em dólar, o que tende a comprimir as margens de lucro. Esse ponto é particularmente relevante, pois, embora as tarifas sejam aplicadas sobre exportações, talvez o maior impacto se dê justamente no aspecto das importações. É possível mitigar parcialmente a questão das exportações por meio da busca de novos mercados, mas isso geralmente implica preços mais baixos, dado o cenário de demanda global mais reprimida.
Dessa forma, empresas dependentes de insumos dos EUA terão margens mais apertadas, o que poderá resultar em um valuation menor, reflexo de uma reavaliação das perspectivas de crescimento e retorno por parte dos investidores, na visão do contador.
Outro impacto importante recai sobre o planejamento estratégico das empresas, uma vez que projetos de investimentos de longo prazo precisarão ser reanalisados, o que pode prejudicar o crescimento e a inovação. Isso também tende a reduzir o valuation. Diante desse cenário, a atuação do Banco Central no controle cambial será fundamental para evitar distorções ainda maiores sobre as empresas.
Entre os efeitos observados, destacam-se a queda na receita, o aumento das despesas financeiras (especialmente quando as receitas são dolarizadas) e a maior dificuldade na captação de recursos no mercado, diante de um ambiente mais desafiador. O acesso mais restrito ao mercado de capitais dificulta o endividamento e a realização de novos investimentos. Muitos títulos mobiliários ofertados nesse mercado têm como garantia ações da própria empresa emissora da dívida, o que evidencia, mais uma vez, a importância de se realizar um valuation criterioso, já que, diante de inadimplência, os credores podem se tornar acionistas. Ou seja, a cessão de capital por um banco, por exemplo, pode acabar se transformando, em caso de inadimplência, em uma aquisição acionária — de natureza de capital próprio.
Dessa forma, o credor assume um risco maior ao eventualmente integrar a estrutura de uma empresa que já não consegue arcar com o pagamento de suas dívidas. Todos esses fatores devem ser considerados em uma análise de valuation, destaca José Luiz de Sousa Neto.
Todavia, é certo que muitas empresas conseguirão obter resultados positivos mesmo nesse cenário. A capacidade de adaptação e flexibilidade será fundamental para o sucesso futuro das organizações. Como bem lembra José Luiz, toda dificuldade traz consigo uma semente de oportunidade.