O livro “História Oral do Supremo – Volume 10 – Eros Grau”, publicado pela FGV
Direito Rio em 2015, é parte de um projeto ambicioso da Fundação Getulio Vargas que
visa construir uma base de dados qualitativos sobre o Supremo Tribunal Federal (STF)
brasileiro, por meio de entrevistas com ex-ministros que atuaram entre 1988 e 2013,
período que marca os primeiros 25 anos da Constituição Federal de 1988. Organizado
por Fernando de Castro Fontainha, Rafael Mafei Rabelo Queiroz e Thiago dos Santos
Acca, este volume apresenta a trajetória do ministro Eros Grau, com foco em sua
experiência como magistrado do STF, sua formação profissional, sua militância política e
suas perspectivas sobre o papel do Judiciário. O livro é estruturado em cinco seções
principais: apresentação, prefácio, roteiro biográfico, entrevista e equipe do projeto. A
entrevista, conduzida em 20 de maio de 2013 na residência de Eros Grau em São Paulo,
é o cerne da obra, ocupando a maior parte do conteúdo (páginas 23 a 123). Nela, Grau
reflete sobre sua infância, marcada por constantes mudanças de cidade devido à
profissão de seu pai, Werner Grau, fiscal do consumo e figura influente em sua formação.
Ele também detalha sua escolha pelo Direito, inicialmente motivada por uma
curiosidade despertada pelo Direito Romano aos 15 anos, e sua trajetória acadêmica e
profissional, que inclui a docência na Universidade de São Paulo (USP) e a atuação como
advogado.
Um dos aspectos mais marcantes da narrativa é a conexão entre a trajetória
pessoal de Grau e sua atuação no STF. Ele descreve sua militância política, influenciada
pelo pai, que tinha ligações com o Partido Comunista, e sua participação no grupo “A
Esquina”, um espaço de discussões políticas e culturais. Apesar de sua proximidade com
a esquerda, Grau enfatiza sua independência como juiz, rejeitando pressões externas e
destacando a importância de decidir com base no “Direito posto”, ou seja, nas normas
jurídicas estabelecidas, em vez de princípios subjetivos que poderiam comprometer a
segurança jurídica (p. 105). A entrevista aborda casos emblemáticos julgados por Grau
no STF, como a Lei da Anistia, o aborto de fetos anencefálicos, a contribuição dos inativos
para o INSS e questões envolvendo terras indígenas (p. 88-90). Ele também discute o
impacto da transmissão televisiva das sessões do STF pela TV Justiça, criticando a
autoexibição do tribunal e o risco de debates voltados mais para a exposição pública do
que para o esclarecimento jurídico (p. 90-91). Além disso, Grau reflete sobre a
sobrecarga de trabalho no STF, que ele descreve como “desumana” (p. 113), e a
necessidade de reformas para que o tribunal funcione mais como uma corte
constitucional do que como uma instância de recursos (p. 77). O depoimento de Eros
Grau é valioso por oferecer uma perspectiva íntima e crítica sobre o funcionamento do
STF e o papel do juiz. Sua visão sobre a segurança jurídica como pilar do sistema
capitalista e a necessidade de decisões baseadas no Direito posto, em oposição a
interpretações principiológicas, dialoga com debates contemporâneos sobre o ativismo
judicial (p. 101-103). Essa postura reflete sua formação como jurista influenciado por
autores como Carl Schmitt e Franz Neumann, mencionados na entrevista, e sua
experiência como professor de Direito Econômico, área em que publicou obras como A
Ordem Econômica na Constituição de 1988 (p. 114).
No entanto, a obra apresenta limitações. O texto da entrevista contém trechos
truncados devido a problemas de transcrição e OCR, o que dificulta a leitura em alguns
pontos (p. ex., p. 43, 86-87). Além disso, a ausência de um índice analítico ou de uma
análise mais aprofundada dos entrevistadores sobre os temas abordados reduz o
potencial da obra como fonte de pesquisa acadêmica. A escolha de manter a oralidade
crua de Grau, embora preserve a autenticidade, pode desorientar leitores não
familiarizados com o contexto jurídico ou político brasileiro. O livro contribui
significativamente para a história oral do STF, ao registrar as percepções de um ministro
que, apesar de sua formação acadêmica e militância política, defendeu uma postura de
imparcialidade e rigor técnico no exercício da magistratura. A discussão sobre a
influência da mídia, a relação entre os ministros e a pressão por decisões céleres no STF
permanece atual, especialmente em um contexto de crescente judicialização da política
no Brasil. A obra também destaca a importância de projetos como o da FGV para
preservar a memória institucional do Judiciário brasileiro. Esta resenha oferece uma
visão geral do conteúdo e da relevância do livro, destacando suas contribuições para o
estudo do STF e apontando limitações que podem orientar futuros usos da obra em
pesquisas acadêmicas.
REFERÊNCIAS
GRAU, Eros; FONTAINHA, Fernando de Castro; QUEIROZ, Rafael Mafei Rabelo;
ACCA, Thiago dos Santos (orgs.). História Oral do Supremo – Volume 10 – Eros Grau.
Rio de Janeiro: FGV Direito Rio, 2015.
GRAU, Eros. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros
Editores, 1990.
SCHMITT, Carl. O Leviatã na Teoria do Estado de Thomas Hobbes. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2002 (referenciado por Grau na p. 106).
NEUMANN, Franz. Behemoth: The Structure and Practice of National Socialism. New
York: Oxford University Press, 1942 (referenciado por Grau na p. 100).
Autor:
Professor Dr. José Rinaldo Domingos de Melo