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sexta-feira, 1 de agosto de 2025

A inteligência artificial e a democratização dos serviços públicos

O Brasil é um país conectado. Segundo o estudo “Uso De Serviços Digitais – Um Retrato Do Brasil”, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), mais de 90% da população brasileira adulta utilizou a internet nos últimos meses de 2024, e 84,8% o fez diariamente. Apesar da alta conectividade, os meios de acesso representam grande discrepância: dessa mesma população, 94,2% possuem acesso a smartphones, enquanto apenas 33,7% possuem computadores ou notebooks em suas casas.

Ainda de acordo com o BID, aproximadamente 53,7% das pessoas com internet fixa em casa relataram enfrentar lentidão na conexão ao menos uma vez por semana. No caso da internet móvel, pouco mais de 36,9% dos usuários que utilizam esse serviço em casa disseram ter atingido o limite do pacote de dados nos últimos três meses, o que os impediu de se conectar ao menos uma vez durante esse período.

Atualmente, cerca de 90% dos serviços federais estão disponíveis de forma digital. Nesse sentido, com a digitalização se intensificando cada vez mais nos setores públicos, a tecnologia pode se tornar excludente quando as formas de conexão não são acessíveis para toda a população.

Um fator adicional que limita o acesso é o custo dos dados móveis. Segundo um levantamento do Idec (Instituto de Defesa de Consumidores) com o Instituto Locomotiva, a falta de franquia de dados limita o acesso a serviços públicos e benefícios sociais: entre os usuários das classes C, D e E, 39% afirmaram ter deixado de acessar políticas públicas devido à ausência de conexão 3G/4G no celular, sendo que 33% deixaram de acessar serviços públicos.

Além disso, a simples falta de familiaridade com plataformas complexas afasta parte da população. O estudo do BID menciona ainda que, 18,0% das vezes, a dificuldade no uso dos serviços digitais foi o segundo motivo pelo qual os cidadãos não obtiveram êxito.

Diante desse cenário, ofertar serviços públicos por meio de canais gratuitos e uso simplificado parece ser a solução ideal para contornar a desigualdade digital. Essa população, que possui apenas smartphone e que tem maior probabilidade de ficar sem dados móveis, poderia, por exemplo, ter acesso ao atendimento por meio de um canal simples e comum, como o WhatsApp – aplicativo utilizado mensalmente por 147 milhões de brasileiros, de acordo com a plataforma Statista.

O Brasil é o segundo principal mercado do app, e o ponto-chave é que seu uso não consome a franquia de dados em alguns planos pré e pós-pagos das principais operadoras do país: Claro, TIM e Vivo. A prática, chamada de zero rating, consiste na concessão de acesso isento de cobrança a alguns serviços digitais específicos.

Ademais, o uso do WhatsApp é extremamente intuitivo e, por isso, solicitar atendimento em um órgão público pode ser feito por meio de uma simples notificação. Isso porque ao incorporar a Inteligência Artificial ao canal, é possível oferecer suporte, automatizando funções por meio de mensagens de texto e voz.

Imagine um cidadão que precisa agendar uma consulta médica ou solicitar um documento e, no lugar de navegar por sites burocráticos, tem a possibilidade de enviar uma mensagem pelo WhatsApp, plataforma que ele já domina. Uma IA treinada compreende a solicitação, orienta o usuário e resolve a demanda em poucos passos. Essa abordagem não apenas agiliza o processo, mas também democratiza o acesso, incluindo aqueles que não têm confiança ou recursos para lidar com sistemas tradicionais. O WhatsApp, presente em quase todos os celulares, torna-se assim uma porta de entrada natural.

Por outro lado, a gestão pública também se beneficia. Municípios, especialmente os menores, enfrentam desafios como a falta de integração entre sistemas, baixa cultura digital entre servidores e investimentos insuficientes em tecnologia. Nesses casos, a IA pode auxiliar na automatização de tarefas repetitivas, liberando equipes para atividades estratégicas e reduzindo custos operacionais. Plataformas baseadas em nuvem, já adotadas por parte das prefeituras, mostram que a transformação digital é possível, mesmo em contextos com recursos limitados.

Nesse sentido, o potencial da inteligência artificial na gestão pública vai além da eficiência. Trata-se de inclusão. Ao adaptar tecnologias avançadas às realidades locais, é possível garantir que serviços essenciais cheguem a todos, independentemente da familiaridade com a tecnologia ou da localização geográfica. O exemplo de cidades que já utilizam soluções digitais mostra que, quando bem implementadas, essas ferramentas geram economia, transparência e, acima de tudo, a satisfação do cidadão.

O caminho para uma gestão pública verdadeiramente digital e acessível passa pela combinação de inovação e pragmatismo. Desse modo, a IA não deve ser vista como recurso distante, mas como aliada capaz de traduzir complexidade em simplicidade, além de ter potencial para mitigar a desigualdade, otimizando processos e melhorando o acesso a serviços públicos, como ressalta o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA).

Assim, se o celular é o dispositivo de comunicação mais comum entre a população, que ele seja também o principal canal de interação com o Estado. A tecnologia, quando pensada para as pessoas, contribui para a inclusão. E é nessa inclusão que reside o futuro dos serviços públicos no Brasil.

Autora:

Delza Assis é especialista em Relações Institucionais e Governamentais da 1Doc, empresa especializada em soluções digitais para gestão pública. – E-mail: 1doc@nbpress.com.br

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