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quinta-feira, 31 de julho de 2025

América do Sul: Transformações Políticas e Repercussões Estratégicas no Conflito do Oriente Médio

Durante a última semana de julho de 2025, a América do Sul testemunhou uma escalada significativa em suas posições contrárias à contínua agressão israelense contra a Faixa de Gaza. Diversos países da região adotaram posturas firmes que superaram o mero repúdio verbal, avançando para medidas políticas e jurídicas sem precedentes. O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, declarou a recusa de seu país em conivência com o genocídio praticado contra os palestinos e ordenou a interdição de qualquer navio carregando carvão com destino a Israel — uma medida com implicações estratégicas e econômicas evidentes. Já o Brasil, maior país do continente em tamanho e influência, anunciou oficialmente sua adesão à ação judicial movida pela África do Sul contra Israel na Corte Internacional de Justiça, ao considerar que os direitos dos palestinos à proteção contra o genocídio estão sendo irreversivelmente comprometidos.

Essa mudança nas posturas de diversos países sul-americanos não pode ser desvinculada dos contextos políticos internos. Ela reflete a ascensão de partidos de esquerda com orientação nacional e progressista ao poder — como o “Pacto Histórico” na Colômbia, e o “Partido dos Trabalhadores” no Brasil sob a liderança de Lula da Silva — o que marca uma transformação qualitativa nas políticas de solidariedade internacional e um maior engajamento com as causas do Sul Global, com destaque para a causa palestina.

Transformações políticas na América do Sul e suas implicações

Nos últimos anos, a América do Sul vivenciou o retorno vigoroso da esquerda progressista ao poder, após um período de hegemonia da direita neoliberal. Na Colômbia, a eleição de Gustavo Petro redefiniu a política externa com base em princípios humanitários e de direitos humanos. No Brasil, Lula reafirmou a centralidade de uma política externa multilateral, anticolonial e comprometida com os direitos dos povos oprimidos.

Essas transformações refletiram-se claramente nas posições em relação à Palestina, uma vez que esses governos veem o apoio à causa palestina como coerente com os valores libertários e com suas próprias histórias de resistência ao colonialismo e à dominação externa. Especialmente diante da crescente pressão popular e do amadurecimento político das sociedades sul-americanas, esses países passaram a enxergar a agressão israelense não apenas como uma disputa geopolítica, mas como uma questão ética e humanitária que exige ação decisiva.

Do discurso à ação: medidas concretas

A decisão da Colômbia de interceptar embarques de carvão com destino a Israel configura-se como uma das raras sanções econômicas aplicadas por um país latino-americano contra o Estado israelense. Trata-se de uma medida que demonstra compreensão profunda da interdependência entre economia e guerra, exercendo pressão direta sobre Israel em relação ao apoio militar e econômico que sustenta sua ofensiva.

No caso do Brasil, a adesão à ação por genocídio na Corte Internacional de Justiça não apenas fortalece o caminho jurídico internacional, mas também confere à causa palestina o respaldo de um país com peso jurídico e diplomático significativo. Essa posição brasileira é coerente com sua tradição histórica de apoio a causas justas no Sul Global.

Na Venezuela, a continuidade das manifestações populares, como se viu no caso do barco “Handala” que tentava furar o bloqueio de Gaza, evidencia que o apoio à Palestina vai além das elites políticas e está enraizado nas massas latino-americanas, que veem a luta palestina como extensão de suas próprias batalhas contra o imperialismo e o colonialismo.

Potenciais impactos sobre o Oriente Médio

O aumento do apoio da América do Sul pode contribuir para reconfigurar os equilíbrios de poder em relação à causa palestina no cenário internacional. Embora esses países não façam parte das potências tradicionais atuantes no Oriente Médio, suas posições oferecem:

  • Impulso moral e legal que intensifica o isolamento internacional de Israel e reforça as campanhas de deslegitimação em fóruns globais.

  • Pressão diplomática crescente sobre países do Norte Global (especialmente na Europa), onde cresce o clamor popular por responsabilização legal de Israel, particularmente com a expansão do apoio à ação judicial em Haia.

  • Estímulo à adesão de mais países ao processo jurídico, o que pode culminar em apoio majoritário na Assembleia Geral da ONU ao reconhecimento pleno do Estado palestino e até impulsionar resoluções para a aplicação do Capítulo VII da Carta da ONU, obrigando Israel a se retirar dos territórios ocupados.

  • Fortalecimento do caminho da responsabilização internacional, especialmente se o genocídio for comprovado judicialmente, abrindo a porta para possíveis julgamentos de líderes políticos e militares israelenses.

Israel diante de um isolamento crescente

A liderança israelense compreende que as transformações políticas na América do Sul não são uma moda passageira, mas parte de uma mudança mais ampla nos eixos de poder globais. Blocos do Sul Global emergem como protagonistas na construção de uma nova ordem internacional pós-guerra na Ucrânia e pós-conflito em Gaza.

O isolamento promovido por essas nações intensifica os temores de que a ampliação geográfica das alianças pró-Palestina possa levar a:

  • Imposição de sanções econômicas;

  • Suspensão de acordos comerciais;

  • Crescimento das iniciativas de embargo de armas;

  • Expansão das investigações e processos por crimes de guerra em instituições jurídicas internacionais.

Apesar do endurecimento de Israel e do constante veto dos Estados Unidos, os desenvolvimentos em curso criam um ambiente internacional mais favorável ao reconhecimento do direito palestino à autodeterminação e à criação de um Estado independente com base nas fronteiras de 5 de junho de 1967, o que inclui:

  • Reapresentação da proposta de uma “Conferência Internacional da Paz” liderada por países do Sul;

  • Pressão para que a Assembleia Geral da ONU, com base na Resolução “União pela Paz”, reconheça plenamente o Estado palestino como membro pleno da organização;

  • Apoio ao caminho jurídico da Corte Internacional de Justiça para emitir pareceres vinculativos sobre ocupação e colonização.

Considerações finais

Os movimentos políticos atuais na América do Sul comprovam que a solidariedade internacional com a Palestina continua viva — e cada vez mais consolidada — diante das alianças que sustentam a ocupação israelense. Com o fortalecimento do papel do Sul Global e a ascensão de forças alternativas à ordem internacional tradicional, essas posturas podem impulsionar mudanças estratégicas no terreno, estreitando a margem de manobra de Israel e recolocando a solução de dois Estados como uma necessidade inadiável.

Enquanto vozes de justiça ecoam em Bogotá, Brasília e Caracas, a esperança reside na convergência entre pressão jurídica, política e popular — do Sul ao Norte — para romper o ciclo da impunidade, obrigar Israel a se retirar dos territórios ocupados e garantir a criação do Estado palestino soberano, com Jerusalém Oriental como sua capital.

Autor:

Dr. Rassem Basharat

Especialista em Assuntos Brasileiros

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