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quarta-feira, 30 de julho de 2025

Série A está mais difícil? Por que as rodadas estão mais seletivas

*Por Amure Pinho

A Série A, tradicionalmente considerada uma das etapas mais estratégicas para o crescimento das startups, vem passando por um processo de maior maturidade e sofisticação. Embora represente a fase em que as empresas já superaram o estágio de validação do produto e estão prontas para escalar, essa rodada de investimento se tornou notadamente mais seletiva nos últimos anos, refletindo a maturidade do ecossistema e as incertezas do mercado global.

O contexto macroeconômico tem um papel significativo nessa transformação. A partir de 2022, com o aumento das taxas de juros em diversas economias, especialmente nos Estados Unidos e em países da América Latina como o Brasil, os investidores institucionais e fundos de venture capital começaram a rever seus critérios de aporte. O cenário de juros baixos que marcou a década anterior fomentou uma ampla liquidez no mercado, impulsionando uma avalanche de investimentos em startups de diferentes estágios, muitas vezes com valuations agressivos e sem uma exigência clara de resultados no curto prazo. No entanto, com a virada no ciclo econômico, esse capital ficou mais escasso e mais caro, o que obrigou os fundos a se tornarem mais criteriosos e conservadores. A prioridade deixou de ser o crescimento a qualquer custo e passou a ser sustentabilidade financeira, eficiência e retorno previsível.

Essa mudança de perspectiva se reflete diretamente na Série A. Em muitos casos, os fundos não estão apenas comparando empresas dentro do mesmo setor, mas avaliando minuciosamente os fundamentos do negócio, a solidez da equipe, os unit economics, o custo de aquisição de clientes (CAC), o tempo de retorno do investimento (payback), a taxa de crescimento recorrente e, principalmente, o potencial de alcançar o breakeven ou gerar caixa em médio prazo. O tempo em que uma startup conseguia levantar uma Série A com base apenas em uma narrativa promissora, tração inicial e um pitch bem construído está, na prática, ficando para trás.

Dados da Sling Hub, plataforma especializada em monitoramento de venture capital na América Latina, mostram que o volume de investimentos em Série A no Brasil caiu cerca de 38% em 2023 em comparação com o ano anterior. Esse recuo segue uma tendência global, conforme também apontado pela CB Insights, que mostrou que o número de rodadas Série A em 2023 foi o mais baixo desde 2018 em mercados como Estados Unidos e Europa. Além da redução no número de cheques emitidos, também há uma queda nos valores médios captados: enquanto em 2021 uma Série A no Brasil girava em torno de R$ 25 milhões a R$ 40 milhões, atualmente muitas rodadas não ultrapassam os R$ 20 milhões, e os investidores exigem maior diluição dos fundadores em troca do capital.

Outro fator que contribui para esse afunilamento é o próprio amadurecimento do ecossistema. Com mais startups competindo por recursos, os critérios de seleção naturalmente se tornam mais rígidos. Há uma busca por diferenciação real, por modelos de negócio defensáveis, com barreiras de entrada claras, tecnologia proprietária ou vantagens competitivas robustas. As startups precisam provar que seu mercado é de fato grande e acessível, que há fit com o produto, e que a retenção de usuários/clientes está dentro de padrões saudáveis. Métricas de engajamento e lifetime value (LTV), antes pouco exigidas em estágios iniciais, tornaram-se itens obrigatórios no radar dos fundos.

Além dos fatores financeiros e mercadológicos, há um elemento cultural sendo moldado nessa nova fase: a exigência por fundadores com uma mentalidade mais pragmática, com domínio não só técnico, mas também de gestão, finanças e estratégia. O storytelling ainda é importante, mas precisa estar ancorado em dados sólidos e em uma visão realista do negócio. 

Por fim, é importante destacar que o cenário mais exigente não significa que não há capital disponível. Os fundos continuam com recursos robustos para investir, e muitos ainda têm compromissos ativos com seus Limited Partners (LPs) que os obrigam a alocar capital dentro de um prazo determinado. O ponto central é que agora, para capturar esse capital, as startups precisam provar que são negócios reais, com estrutura, estratégia e capacidade de entrega.

*Amure Pinho é empreendedor há mais de 20 anos, já foi presidente da Associação Brasileira de Startups (Abstartups), é investidor-anjo em mais de 51 startups e fundador do Investidores.vc, plataforma de investimento em startups que já investiu mais de R$35 milhões nos últimos anos.

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