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quarta-feira, 30 de julho de 2025

Os invasores

Acordei com um barulho estranho na cozinha. Por um instante, hesitei, entregue ao torpor do sono e ao frio da madrugada. Peguei minha pequena lanterna, sentindo o coração acelerar a cada passo, e fui, pé ante pé, suavemente, como se meus próprios ruídos pudessem despertar algo ainda adormecido no escuro.

Dirigi o facho de luz por todos os cantos da cozinha, as sombras pareciam dançar em resposta. Vi vultos em movimento — formas furtivas, indistintas, que fugiam à claridade. Um arrepio percorreu minha espinha. Fiquei com medo. Apaguei a lanterna, esperando que o escuro me protegesse, e corri para a sala.

Lá, com mãos trêmulas, liguei novamente a lanterna e mirei os quatro cantos do recinto. Novamente, só vi vultos. Só que agora, eram aterrorizantes. Pareciam maiores, mais densos, e estavam acompanhados de um som estridente, agudo, que feria meus ouvidos e fazia o medo pulsar ainda mais forte em meu peito.

Apavorado, fechei a porta e fugi apressado para a sala de visitas. Tudo estava muito escuro — uma escuridão densa, quase material, que parecia me observar. Do lado de fora, ouvi o piar de uma coruja, lúgubre, como um presságio. Estremeci. Os invasores, silenciosos e insistentes, ocupavam agora a cozinha, a sala, a sala de estar. Sua presença se insinuava no ar, tornava o ambiente mais pesado.

Fiquei com receio de voltar para o meu quarto. Era como se o próprio refúgio agora me fosse negado. Apaguei definitivamente a lanterna e, tateando no escuro, segui a tênue luz do luar, meu último guia. Ao sair, senti a noite abraçar meu corpo trêmulo. Lá fora, o céu exibia um mar de estrelas, indiferente ao meu desamparo.

Sem entender nada, pensei comigo: que linda noite. Mas a beleza era um véu que ocultava minha inquietação — minha casa estava tomada, preenchida por uma presença que eu não sabia nomear. Agora eu era apenas mais um errante sob as estrelas, exilado no próprio quintal, sem lar, esperando que o amanhecer devolvesse ao mundo seus contornos e, quem sabe, me trouxesse de volta à minha própria casa.

Mas, por enquanto, restava-me o mistério e o frio, a companhia das corujas e o suspiro surdo dos invasores invisíveis, que dançavam nas sombras da minha ausência.

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