Setor tem se consolidado como alternativa à dependência de medicamentos importados e oferece novas perspectivas para pacientes com enfermidades de difícil diagnóstico e alto custo terapêutico
Dados do Ministério da Saúde indicam que, no Brasil, mais de 13 milhões de pessoas vivem com algum tipo de doença rara. A maioria desses pacientes enfrenta longas jornadas até o diagnóstico e, quando há tratamento, os custos são geralmente elevados e os medicamentos, muitas vezes, precisam ser importados. Nesse contexto, a biotecnologia tem ganhado destaque por abrir caminho para soluções terapêuticas desenvolvidas no próprio país.
Nos últimos anos, o avanço da biotecnologia tem mudado esse cenário. O setor cresceu 10,3% em 2023, conforme a Associação Brasileira de Biotecnologia (ABBI), impulsionado especialmente por parcerias público-privadas e investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). A produção nacional de biofármacos, como os medicamentos biológicos e biossimilares, tem se expandido, reduzindo a dependência externa e ampliando o acesso da população aos tratamentos.
O que são doenças raras e por que seu tratamento é tão complexo?
Doenças raras são aquelas que afetam até 65 pessoas a cada 100 mil habitantes. Embora individualmente sejam pouco frequentes, somadas, atingem milhões de brasileiros. São, em geral, enfermidades genéticas, autoimunes ou metabólicas, com sintomas variados e, muitas vezes, progressivos e incapacitantes.
O diagnóstico costuma demorar. Uma pesquisa da Interfarma apontou que o tempo médio para identificação de uma doença rara no Brasil é de até cinco anos. Muitos pacientes passam por mais de cinco médicos e realizam inúmeros exames até obter uma resposta definitiva. Quando existe um tratamento, ele costuma ter custo elevado, o que o torna inacessível para grande parte da população se não houver cobertura pública.
A biotecnologia entra como alternativa para acelerar pesquisas e viabilizar medicamentos que atuem diretamente nas causas dessas doenças, utilizando tecnologias como engenharia genética, cultura de células e bioprocessos.
Biofármacos e biossimilares: inovação que impacta diretamente os pacientes
Os biofármacos são medicamentos desenvolvidos a partir de células vivas, como bactérias ou leveduras, que produzem proteínas semelhantes às humanas. Já os biossimilares são versões desses medicamentos originais, com qualidade e segurança comparáveis, porém com custos inferiores.
Ambos têm revolucionado o tratamento de doenças como hemofilia, esclerose múltipla, fibrose cística e diversos tipos de câncer raro. No caso das doenças autoimunes, como a Síndrome de Hunter e a Doença de Gaucher, os biofármacos têm permitido controlar os sintomas e melhorar significativamente a qualidade de vida dos pacientes.
A produção desses medicamentos no Brasil tem crescido. Em 2023, foram desenvolvidos internamente cinco novos biofármacos, segundo dados da Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL). A redução do tempo de entrega ao Sistema Único de Saúde e a menor dependência cambial são dois fatores que tornam o cenário mais favorável.
Papel das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs)
Um dos instrumentos mais importantes para o crescimento da biotecnologia voltada à saúde é o modelo de Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP), criado pelo governo federal. A iniciativa permite que empresas privadas e laboratórios públicos compartilhem conhecimento para a produção de medicamentos estratégicos no Brasil.
A Bionovis é uma das empresas que participam desse modelo. Entre os projetos em andamento, destaca-se a produção nacional de biofármacos utilizados no tratamento de artrite reumatoide e outras doenças inflamatórias crônicas. A expectativa é que, nos próximos dois anos, novos produtos entrem no portfólio de terapias para doenças raras.
Segundo levantamento do Ministério da Saúde, os acordos de PDPs geraram uma economia estimada de R$ 5,5 bilhões nos últimos 10 anos, com impacto direto na sustentabilidade da assistência farmacêutica.
A realidade do acesso: desafios que persistem
Apesar dos avanços, o acesso ao tratamento de doenças raras ainda enfrenta obstáculos. Em muitos estados brasileiros, faltam centros de referência especializados, o que obriga pacientes a se deslocarem centenas de quilômetros em busca de diagnóstico ou medicação.
Outro ponto sensível é a judicialização. Em 2022, o governo federal gastou cerca de R$ 2 bilhões com decisões judiciais que obrigaram o fornecimento de medicamentos de alto custo, a maioria para doenças raras. Esse dado revela tanto a escassez de políticas públicas estruturadas quanto a urgência em expandir a oferta por meio de alternativas sustentáveis.
Nesse aspecto, a biotecnologia pode ser parte da resposta. Com maior escala de produção local e desenvolvimento de soluções voltadas à realidade brasileira, é possível desenhar estratégias de médio e longo prazo que reduzam a judicialização e ampliem o acesso.
Caminhos futuros e expectativas do setor
A expectativa do setor é de que o mercado de medicamentos biotecnológicos no Brasil dobre até 2030. Um estudo da consultoria IQVIA estima que, até lá, os biofármacos responderão por 40% das despesas globais com medicamentos. No Brasil, esse número atualmente está em cerca de 20%.
Para que o país acompanhe essa tendência, é necessário ampliar os investimentos em pesquisa, incentivar startups e integrar universidades, centros de inovação e laboratórios públicos. O fortalecimento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no processo regulatório também é apontado como um ponto de atenção para garantir que a inovação chegue com segurança ao paciente.
A Bionovis planeja lançar, nos próximos três anos, pelo menos quatro novos produtos com foco em doenças de baixa incidência. “Nosso objetivo é ser parte da solução para pacientes que esperam por uma resposta há décadas. A ciência brasileira tem capacidade para isso”, afirma Motta.
Perspectiva para os pacientes
O avanço da biotecnologia no Brasil oferece uma nova esperança para pacientes com doenças que, até pouco tempo atrás, contavam apenas com paliativos ou alternativas importadas de difícil acesso. Ao permitir a produção de medicamentos mais específicos, com custos reduzidos e maior disponibilidade, o país dá um passo importante na construção de uma política de saúde mais justa.
Com o crescimento do setor, a consolidação de parcerias estratégicas e a presença de empresas como a Bionovis no cenário nacional, o tratamento de doenças raras começa a deixar de ser um desafio insuperável para se tornar uma possibilidade real de cuidado contínuo e digno. A ciência, mais uma vez, mostra seu potencial de transformar vidas.
Autor:
Gustavo Rodrigues