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quinta-feira, 31 de julho de 2025

COP, Política e Sobriedade

Tem pessoas que passam a vida fazendo planos, mas pouco ou nada realizam. Não realizam porque entre o plano e a realização exista a ação, sem o que o plano é mera intenção. Alguns até tentam por planos em prática, mas logo abandonam. É o caso de Alceu Dispor, planejador cuidadoso, cheio de iniciativa, mas com pouca “acabativa”. Ele raramente termina o que começa, mas todo dia acorda pensando em novas maneiras de mudar o mundo.

Teve a iniciativa de pedir Iná Lemos em casamento, mas a “acabativa” foi dela, cuja fortuna veio da receptação e venda de bens alheios. Cumpriu pena e depois tornou-se Cuidadora e blogueira. Cuidadora da vida alheia, a rainha da fofoca. A experiência no crime credenciou-a para a carreira de Divulgadora Farmacêutica e ela aproveita as amostras grátis para testar medicamentos experimentais que deixem o marido dócil e sob controle. Os efeitos colaterais são desconhecidos. Iná Lemos ganha dinheiro dos laboratórios para divulgar remédios e adultera os relatórios para continuar faturando.

Alceu Dispor continua idealizando projetos grandiosos. Entrou para a política como consultor, envolve-se em atividades simultâneas, mas não dá seguimento a nada. Ele não é julgado por isso e nunca teve o cargo ameaçado, pois a atividade política se caracteriza pelo excesso de iniciativas sem acabativas. Muito discurso e pouca ação. Ele é ótimo em sugerir iniciativas que os líderes do Partido adoram, porque repercutem na mídia. Como nada acontece, sempre põem a culpa oposição e fica tudo por isso mesmo, na guerra de narrativas.

Sua grande preocupação atual é a COP-30, a Conferência do Clima, a ser realizada no Brasil. O evento se aproxima e ele não sabe por onde começar o discurso de abertura. É o momento mais importante de sua vida e deseja fazer algo impactante, que deixe sua marca. São muitos os interesses e será difícil não desagradar alguém.

Tem Sul Global, Mudanças Climáticas, Aquecimento, Universalização do Tratamento do Esgoto, Efeito Estufa, Gás Bovino, Queimadas, Desmatamento. É muita coisa para abordar, o discurso não pode se estender e tem de ser equilibrado.

O telefone toca insistentemente, mas Alceu Dispor está travado. Tenta esticar a mão para atender, mas não consegue. Precisa digitar o discurso, mas as mãos tremem, a tela entra no modo descanso e nada acontece. Poluição sonora, apito contínuo, bateção sem fim, maus odores e esgoto a céu aberto povoam sua cabeça e ele não consegue concluir a tarefa.

De repente, um forte abalo o atinge. Suado, vista enevoada e nauseado pelo odor, ouve Iná Lemos gritar seu nome. Pensa que ela veio em seu socorro, mas assim que apura a visão e a audição, a realidade se descortina:

  • Acorda, estrupício. O detector de fumaça está apitando e você não presta nem para levantar e ver o que está acontecendo! 
  • Esse apito e essa bateção estão me enlouquecendo. O que acontece?
  • Esqueceu que moramos ao lado de um ginásio de esportes?
  • Estou concentrado no discurso para a abertura da COP: Esgoto, Poluição, Efeito Estufa, coisas desse tipo.
  • Você não tem nada a ver com isso. Nem foi convidado. Está licenciado do Partido por motivo de saúde.
  • Até sinto o esgoto fluindo, o cheiro do gás metano, os “puns” das vacas…
  • É o seu fraldão geriátrico que está cheio e vazou, seu imprestável.
  • E o Aquecimento? Afinal, tenho a Coordenação Geral dos Trabalhos!
  • O que você tem é Congestão Nasal e Esquecimento, não aquecimento. Você nunca se lembra de nada. Agora limpe tudo isso e se lave. Vou trocar o fraldão e te dar o remédio da tarde.

A medicação faz Alceu Dispor delirar e misturar os pensamentos. Está afastado do Partido por conta dos atestados falsos que Iná Lemos obtém para testar remédios experimentais. O Partido apoia porque o constante delírio faz dele o mais produtivo conselheiro político do país. Estão até pensando em lançá-lo ao Senado ou quem sabe à presidência. Pessoas sóbrias querem realizar coisas e isso atrapalha a vida dos que veem a atividade política apenas como grande fonte de renda. As iniciativas do delirante Alceu Dispor encantam a mídia, porém a acabativa zero agrada os políticos que prometem, faturam comissões e nada entregam. 

Sua vida mudou radicalmente quando Iná Lemos sofreu AVC. Agora é ela quem precisa de Cuidador e Alceu está livre, leve e solto. De quebra, o fim dos remédios devolveu-lhe o raciocínio coerente. Se por um lado há males que vem para o bem, por outro há bens que vem para o mal: o raciocínio coerente inviabilizou a carreira política e a candidatura à presidência, cargos inadequados para gente normal.

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle). Crônicas de humor toda sexta-feira, às 10h.

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