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quarta-feira, 24 de julho de 2024

Meu mistério: uma coluna por Ariel Von Ocker

O Eu é sempre um mistério para mim, assim como o que se chama Outro. Não possuo nenhuma resposta. Tudo o que tenho é, nos lábios, um punhado de perguntas.

Não sou filósofa para que isso seja tido em conta com ares de intelectual. Sou apenas esse ser completamente inundado por um sentimento simples de um profundo Não-Saber.

Com efeito, poderia dizer que a incerteza é a maior de minhas certezas. Advém aqui um riso cômico, algo curioso diante uma expressão que a palavra escrita não comporta. Gostaria de franzir o cenho e rir de mim um pouco, pois nossa franca nudez diante da vida algo tem de um espetáculo aristofânico.

Gostaria de não escrever uma coluna tão pessoal, mas o que fazer se as palavras pululam para fora de mim? É verdade que eu só as escrevo. Quem as cria, processa e dá sentido ao que é fora do sentido é um ser que me habita em um ponto ignorado. Minha vertente psicanalítica diria ser o Inconsciente. Eu própria, porém não saberia dizê-lo propriamente.

Há outros aspectos meus que parecem interessar ao mundo. Todavia, não me interessa falar sobre eles. Não sou eu quem criou a invenção da literatura, nem sou eu a primeira criatura a extravasar pela caixinha dos gêneros para o abismo da transgeneridade. Guardemos essas perguntas, portanto, à Clarice Lispector e April Ashley.

Sou um pouco solitária, é verdade. Nos meus anos passados, isso me incomodou sobremaneira. Pensei por um tempo se eu teria algum problema mental que me impedia de interagir socialmente, ou algum defeito físico que tornasse o contato repulsivo. Descartei essa ideia aos dezesseis anos só para descobrir, aos dezessete, que sou Autista (antiga Síndrome de Asperger, recentemente tirada do CID-10). Foi um choque para mim, mas, ao mesmo tempo, um enorme prazer em, finalmente, conhecer a origem ignorada de tantos percalços.

Quanto à solidão, creio que seja necessária para mim em alguma medida, pois só consigo produzir com uma dose de silêncio e solidão. Casas lotadas e barulhos altos me fazem um mal terrível.

Contudo, não é o isolamento absoluto o que desejo, mas um contato harmônico com quem amo. Acredito que seja como uma fórmula, na qual uma dose de companhia mais três de solidão geram a criatividade.

Fora isso, não há muito para dizer sobre mim. O que fala, de fato, sobre o ser que sou -ainda que não o saiba- é minha literatura.

Eu não me entendo e isso é um encanto profundo, pois, se eu me entendesse por completo, até o último segredo, não haveria sentido nenhum na vida. Sou grata por ser Ignota para mim mesma.

Autoria:

Ariel Von Ocker é escritorx, psicanalista, poliglota e acadêmicx de Letras e História. Também já trabalhou no teatro como dramaturgx e ator. Com catorze anos escreveu seu primeiro romance e por anos seguiu escrevendo sem publicar, até que em 2021 se torna colunista no maior blog sobre psicanálise em língua portuguesa com o texto de estreia Representações Sobre o Feminino: Um Olhar Histórico. Atualmente se dedica à formação acadêmica e à divulgação da arte e do conhecimento através da iniciativa Projeto Simbiose, no qual atua no núcleo de direção em parceria com Michelle Diehl e Cristina Soares e da Revista Ikebana, onde atua como editorx chefe.
Também é autorx do livro Canções da Tarde, disponível para compra através do link: https://www.amazon.com.br/dp/B09NTYWQ6Z.

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