Resiliência: capacidade do indivíduo ou sistema se recuperar de situações adversas e aprender com elas em vez de se deixar abalar. Pessoa perde tudo e se reergue; passa por sérios problemas de saúde e se recupera; empresa à beira da falência renasce das cinzas; atleta acidentado volta ao time e vence o campeonato e por aí vai. Conchavo político: bem, isso todo brasileiro sabe o que é isso.
Ali Fatah Lismo nasceu pobre, franzino e fraco de feição. Os pais pegaram outra criança no berçário e fugiram. Começou a falar aos 3 anos, mas ninguém entendia. Cresceu traumatizado, passou por várias instituições e lares adotivos. Teve todo tipo de doença, conhecida ou não. Foi cobaia para tratamentos experimentais que pioravam seu estado, causavam sangramento retal e quase transformaram seu cérebro em purê. Mas Ali Fatah Lismo é resiliente e superou tudo.
Autodidata e com elevado Q I, é fera em matemática, física quântica, informática e forró. Porém, a sociedade exige diploma e ele tem trauma de testes e exames. Ele é resiliente e passou no exame de Madureza, mas quando a vida oferece sopa, só lhe dão garfo. Tentou vários concursos públicos até finalmente ser aprovado. Temeu pelo ressurgimento dos traumas, porém criou coragem e fez os exames clínicos. Voltou ao hospital para o resultado da avaliação, pegou senha e sentou-se ao lado de um senhor de terno, discreto e tranquilo.
- Bom dia – cumprimentou cordialmente. Ali Fatah Lismo, ao seu dispor.
- Bom dia – Gonzalo Prado. Você me parece nervoso. Tá tudo bem?
- Tenho trauma com hospitais. O intestino travou, tive febre e dor de cabeça. Tomei laxante, melhorei e passei o problema para a Sabesp.
- Porque está fazendo exames laboratoriais?
Ali contou sua trajetória até o concurso público. Preocupa-se com os resultados, mas é otimista e crê que tudo dará certo. Com o salário, pagará o aluguel da pensão e a faculdade. Notou que só ele falava, então perguntou:
- E o senhor, por que está aqui?
- Vou começar num emprego novo e preciso de atestado de vacina.
- Ah! Muito bom. Parabéns!
- O senhor deve ter muita experiência. Alguma dica para um iniciante?
Gonzalo Prado é homem de poucas palavras, mas gostou do rapaz e o aconselhou a cultivar amizades políticas. Disse que saiu-se melhor com política e bajulação do que com estudo. Como nunca ia bem na escola, o pai, líder sindical, conseguiu um diploma fajuto do ensino médio. Matriculou-se em cursos à distância. O porteiro do condomínio assistia as aulas, fazia suas provas, mas ele abandonou porque era muito cansativo. Depois, um tio Senador o indicou para vários empregos públicos. Empregos, não trabalho, disse sorrindo.
Como faltassem poucas senhas para serem atendidos, Ali começou a se despedir do homem e desejou sucesso no novo emprego.
- Obrigado. Sucesso para você também. Onde vai trabalhar?
- Passei num concurso para Carteiro. Primeiro colocado! Vou trabalhar no Correio. Salário de R$ 4.728,00. Nada mal! Vou prestar concursos internos e logo terei cargo de chefia, com salário maior. E o senhor? Onde irá trabalhar?
- Coincidência! Também vou trabalhar no Correio.
- Poxa! Que legal! Seremos colegas. Qual é o seu cargo?
- Presidente. Sem curso, nem concurso. Foi o Senador que me indicou. O salário é baixo, só R$ 53 mil, mas ele também me colocou num Conselho Federal que paga R$ 30 mil por mês, por uma reunião virtual. Aí compensa.
- Sem diploma, sem concurso. Como assim?
- Contatos políticos, meu caro. E muita bajulação.
- Mas e a experiência no ramo?
- Sou convincente nas mentiras e Presidente não precisa ter experiência. Quem dá duro são os concursados, que ganham merrecas.
- Gente como eu? Entendi. Quais exames clínicos o senhor fez?
- Nenhum. Só vim pegar o atestado de vacina. É muita burocracia!
- Qual vacina se toma para ser presidente?
- Nenhuma. Mas é preciso ter o atestado. Foi o tio Senador indicou o Diretor desse hospital.
- Doutor Gonzalo Prado – chamou a atendente. Aqui está seu atestado. Tenha um bom dia.
- Ali Fatah Lismo. Lamento o senhor perder o emprego. Não passou no exame de fezes. Boa sorte na próxima vez.
Viver não é para todos. Para cada nomeado por conchavo político, é preciso muita gente capacitada para fazer a máquina funcionar. Ganhando merreca. Ali Fatah Lismo é resiliente e crê que no próximo concurso tudo dará certo. Mas o salário, oh! Vida que segue.
Triste realidade, não é mesmo. Suas crônicas estão cada dia mais críticas do sistema público. Parabéns pela criatividade!!