16.9 C
São Paulo
quarta-feira, 24 de julho de 2024

“Não pesquise”

 Por que as pessoas aceitam teorias e explicações falsas?

Em dezembro de 2021 a Netflix liberou em seu catálogo o filme Don’t Look Up, dirigido por Adam McKay e estrelado por Jennifer Lawrence, Leonardo DiCaprio e Meryl Streep. O longa acompanha a dramática comédia de uma dupla de cientistas que, ao descobrir a aproximação de um meteoro em rota de colisão com a terra, são confrontados com o negaciosismo do governo, a descredibilização científica diante da mídia, e a apatia da população diante da extinção iminente. “Don’t look up”, que é traduzido literalmente como “não olhe para cima”, faz referência ao slogan de campanha da presidente negacionista que pede para seu eleitorado não olhar para cima e ver o cometa no céu. Mas, num jogo de palavras, também pode ser traduzido como “não procure” ou “não pesquise”. Logo após a estreia, debates sobre o filme tomaram as redes sociais fazendo paralelos com a forma com a qual o governo brasileiro enfrentou a pandemia de Covid-19. A obra leva o negaciosismo ao extremo a ponto do ridículo, o que foi alvo de críticas. No entanto, indiferente ao gosto do espectador, o longa de fato nos levanta uma questão antiga: Por que as pessoas aceitam teorias e explicações falsas ou facilmente desmentidas?

O negaciosismo científico não é um fenômeno novo, na verdade, diferentes comunidades pela história desenvolveram sua própria forma de controlar a produção de conhecimento exilando pessoas, queimando livros, proibindo pesquisas, e mais. Antropólogos e historiadores chamam este fenômeno de “Sistema de ignorância”. Mas, é difícil negar que com o crescimento da internet móvel, dos smartfones e das redes sociais digitais, a negação científica cresceu consideravelmente. Em seu A Era do Radicalismo, Cass Sunstein apresenta como grupos que tem pensamentos iguais tendem a se radicalizar, ou seja, acreditar mais fervorosamente naquilo que acreditavam antes. É plausível deduzir que as comunicações pelas redes sociais digitais tenha facilitado com que grupos conspiratórios tivessem uma base onde discutir entre si e fortalecer suas crenças (e descrenças). Mas isso, por si, também não explica o crescimento do negacioso científico.

Sunstein afirma que o ser humano carece de muita informação direta e pessoal, ou seja, precisam confiar na palavra de outra pessoa. Em uma escala pequena (como “o carteiro já passou hoje?” ou “sabe que horas sai o ônibus?”) o senso comum é mais que o suficiente para alicerçar essa confiança, afinal, é plausível que seu vizinho saiba se a correspondência já foi entregue e que outro passageiro no ponto de ônibus saiba se a condução está para chegar ou não. Ou seja, em uma escala pequena, confia-se na experiência do interlocutor. Agora, conforme a escala aumenta, a confiança tende a assumir maior protagonismo.

O jornalismo é um perfeito exemplo. Quando se lê uma notícia é preciso confiar que o jornalista que a escreveu apurou as fontes e fez um trabalho investigativo. Portanto, as pessoas tendem a confiar em jornalistas que estão associados a empresas de renome. Aqui entra em campo o prestígio e reputação dos indivíduos e instituições. Mas, ainda assim, é possível verificar as informações, procurar outros canais de notícias, confrontar as fontes caso não haja confiança no jornalista ou em sua empresa. Por outro lado, em escala maior, isso se torna quase impossível.

Desde os anos 1970 a Lua abriga cinco painéis espelhados voltado para a Terra, qualquer um com um canhão de laser forte o suficiente pode disparar contra os objetos e ter uma prova empírica de que o homem esteve na Lua. Mas quantas pessoas compreendem os mecanismos de uma experiência simples como essa? Quantas tem acesso às ferramentas necessárias? Quantas pessoas sabem por experiência pessoal ou investigação própria que o homem pisou na lua; que a terra não é plana, mas tão pouco é exatamente redonda; que a Al-Qaeda foi responsável pelo Onze de Setembro; que o novo coronavírus não foi criado em laboratório? Quantas possuem conhecimento técnico para compreender a passagem de um vírus por entre espécies? Ou seja, não basta ter “confiança na ciência”, é preciso confiar no cientista e, principalmente, no método científico.

No Brasil, a Pesquisa Percepção Pública da C&T no Brasil 2019 (ou seja, anterior à pandemia de Covid-19), apontou que “73% da população acredita que a ciência e tecnologia trazem mais ‘benefícios que malefícios’ ou ‘trazem apenas benefícios’ para a sociedade”. No entanto, a pesquisa revelou a existência de um desconhecimento da ciência por parte do brasileiro. A maioria dos participantes apontou a saúde como tema relevante, porém, 78% afirmaram acreditar que antibióticos tem como finalidade eliminar vírus. Além, 88% dos entrevistados não souberam apontar nenhuma instituição de ciência, nem mesmo uma universidade. Ou seja, embora haja uma crença do brasileiro em ciência e tecnologia, há também um desconhecimento sobre a produção do Brasil no campo. Como afirmou a professora Thaiane Oliveira, a ciência brasileira vem sofrendo diversos desafios. A começar pelos recorrentes cortes de investimento e ataques a imagem das instituições de ensino superior no Brasil. As universidades possuem três funções: Ensino, Pesquisa e Extensão. Todos foram questionados. O ensino foi acusado de ser tendencioso, a pesquisa de ser supérflua, e a extensão minimizada, quando não ignorada. O Brasil disse gostar de ciência, sem ter ideia do que é ciência.

Como há uma falta de conhecimento do “fazer ciência”, o brasileiro se vê obrigado a acreditar e não a entender o que se publica cientificamente (o que Thaiane Oliveira chamou de “crise social da ciência” e de “crise da comunicação da ciência”). Teorias conspiratórias são naturais num cenário político, são resultados de uma forma de enxergar e interpretar o mundo, algumas são espontâneas, outras surgem através de agentes, mas, são tradicionalmente marginais. Independente de suas origens, para este estilo de pensar se consolidar numa sociedade, é preciso que haja uma instabilidade política e, principalmente, uma crise de confiança na ciência. Não precisamos fazer com que o brasileiro se interesse por ciência, mas que entenda o processo de produção científica, ou corremos o risco de sermos sempre governados por teóricos da conspiração.

Autor:

João Victor Uzer 

1 COMENTÁRIO

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Patrocínio