Em passado recente a União promulgou leis de natureza tributária em evidente conflito com preceitos constitucionais.
Obviamente, sabia o que estava fazendo, porém, contava com a inércia da maioria dos contribuintes, ou com a demora na restituição dos valores pagos indevidamente, o que, em muitos casos, tem ultrapassado a marca dos vinte anos.
É relevante observar que a União editou lei em 2002, alterada em 2004, reconhecendo a ilegitimidade de diversa imposições fiscais, em verdadeira confissão de dívida, cancelando as inscrições em dívida ativa e as execuções fiscais dos débitos dos contribuintes inadimplentes, sem, contudo, determinar a restituição de ofício das quantias pagas indevidamente.
Ou seja, em uma lógica absurda e perversa, os contribuintes que deixaram de pagar foram premiados, enquanto os que pagaram os valores exigidos indevidamente foram obrigados a enfrentar longos processos administrativos ou judiciais para receber a restituição a que faziam jus.
Em uma situação ideal, de transparência e boa-fé, deveria bastar o reconhecimento da inconstitucionalidade da exigência fiscal para que os valores indevidamente pagos sejam imediatamente devolvidos ao contribuinte, por iniciativa da própria autoridade administrativa.
No contexto, é exemplar o caso do tributo denominado Cota de Contribuição sobre Exportações de Café, com vigência entre novembro de 1986 e abril de 1989, através do qual se exigia dos exportadores de café uma contribuição equivalente a seis dólares americanos por saca de café exportada.
Como de costume, somente dez anos depois, em 1997, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade da exigência, posteriormente confirmada em 2004, tornando indevido tudo o que foi pago a título de cota café.
Assim, muitas empresas exportadoras de café relevantes no cenário nacional, inclusive diversas cooperativas de cafeicultores, que não haviam recorrido à justiça, ingressaram na via administrativa com pedidos de restituição que totalizam alguns bilhões de reais.
Os pedidos de restituição foram protocolizados dentro do período de cinco anos contados da decisão pronunciada pelo STF em 1997, que era o entendimento dominante na época quanto ao prazo prescricional para sua formalização.
Todos achavam que seu direito era indiscutível e aguardavam que a restituição solicitada fosse processada em curto prazo. Estavam terrivelmente enganados.
Diante da possibilidade de êxito do contribuinte, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, segunda instância administrativa, engavetou os processos e ficou aguardando uma mudança na jurisprudência que beneficiasse o fisco.
E a mudança esperada pelo CARF ocorreu quando o Superior Tribunal de Justiça – STJ modificou a jurisprudência, decidindo, com efeito repetitivo, que o prazo prescricional aplicável aos pedidos de restituição deveria ser de 10 anos contados do fato gerador do tributo cuja inconstitucionalidade fora declarada pelo STF.
E, assim, todos os processos em andamento no CARF receberam decisão definitiva indeferindo o pedido de restituição, apresentando como razão de decidir a prescrição fundamentada na nova jurisprudência do STJ.
Revoltados, os contribuintes formalizaram na Justiça Federal ações anulatórias da decisão do CARF, que ainda aguardam julgamento final.
A prescrição é a questão prejudicial que se discute nas ações em andamento na Justiça Federal, com base na impossibilidade da aplicação retroativa da nova regra de contagem de prazo prescricional às pretensões já formalizadas e em curso.
Tardiamente, a jurisprudência está se consolidando no STJ e no STF no sentido de que os pedidos de restituição da cota café, formalizados na via judicial ou administrativa, não foram alcançados por prescrição.
Entretanto, mais de trinta anos depois de realizados os pagamentos indevidos, muitos exportadores de café ainda aguardam a restituição a que fazem jus, e, agora, com a perspectiva de serem alcançados pelo calote previsto na famigerada PEC dos precatórios.
O espantoso caso descrito acima não é isolado, muitos contribuintes com direito à restituição passaram, ou ainda passam, por situação semelhante, colocando sérias dúvidas quanto à credibilidade e seriedade dos governantes desse nosso sofrido país.
Autor:
Flávio Ferreira de Oliveira, e-mail: flaviogspl@uol.com.br, consultor tributário, auditor fiscal da Receita Federal do Brasil aposentado.