“ As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras” (Friedrich Nietzsche)
Com a passagem da pandemia receio que duas sérias sequelas deixem marcadas indefinidamente a humanidade, o cardápio por QR code, uma perversão sádica para um cliente míope que chega faminto e o esfacelamento e a desmoralização da ciência, desapropriada para fins particulares pela mídia, juízes e políticos em geral com a conivência de médicos e cientistas defendendo seus conflitos interesses econômicos e ou ideológicos. Tenho fé que o cardápio por QR code não dure, porém quanto a outra situação a coisa é muito mais séria, agora que os curiosos aprenderam o caminho o conhecimento científico nunca mais será o mesmo. Mas o que é o conhecimento científico? Como se constrói a verdade científica?
Nesse momento para validar um conhecimento científico utiliza-se o nível de evidência até o surgimento de um instrumento melhor (primeira premissa: na ciência nada é definitivo). O nível de evidência 1 A tem sido considerado o mais próximo da verdade científica atual, trocando em miúdos, após a análise minuciosa de trabalhos bem elaborados que utilizaram uma boa metodologia científica aquela informação pode ser utilizada com relativa segurança na investigação (caso seja um método diagnóstico) ou tratamento (caso seja uma droga) de determinado paciente. Ora, em primeiro lugar, para se alcançar esse nível de evidência torna-se necessário acumular conhecimentos e isto exige um número considerável de artigos que sejam bem feitos por pessoas não patrocinadas por instituições, com o mínimo interesse de ser a favor ou contra e por cientistas que possuam o mínimo viés possível, ou seja, pesquisadores não tendenciosos para este ou aquele lado ou que não estejam torcendo por sua própria convicção. Nada é mais evidente então do que a dificuldade para se encontrar a evidência cientifica. Após tudo isto, para reduzir ou eliminar a tendenciosidade, a conduta cientifica ideal recomenda que os trabalhos sejam repetidos com a mesma metodologia em centros diferentes de maneira a confirmar ou negar os achados anteriores. Ou seja, tirar uma conclusão definitiva em dois ou pouco mais de dois anos de pandemia é uma temeridade, pior ainda é a quebra de paradigmas, verdades até então incontestáveis, cujo questionamento exige um rigor muito maior para que os resultados sejam validados.
Ora, todo profissional de saúde é um pequeno cientista. Um precursor do conhecimento científico através de suas observações diárias. A hidroxicloroquina por exemplo, é um paradigma no que se refere a segurança de uma droga. Quanto a sua eficácia contra o covid-19, não acredito e nem nunca tive certeza que ela pudesse ter algum impacto positivo no tratamento do vírus, porém vejam que eu uso as expressões acredito e não ter certeza, o que para a Ciência per si não significam absolutamente nada. Sua segurança é considerada como paradigma pelo seu uso em doses maiores que as utilizadas na pandemia, de forma universa, há mais de 70 anos inclusive nos locais mais paupérrimos do mundo, constando inclusive entre as cem medicações mais seguras no mundo na lista da OMS (Organização Mundial de Saúde). Por isso causa estranheza o porquê de uma medicação de efeito discutível contra o covid, quiçá ineficaz, ter sido objeto da publicação de um trabalho reconhecidamente fraudulento (gerou uma retratação e um pedido de desculpas oficial) tentando demonstrar não sua ineficácia, mas sua inédita toxicidade. Mais estranho e inexplicável ainda foi o ressentimento daqueles que compreensivamente não encontraram justificativas para utilizar a droga (ou mesmo por convicções políticas, não importa) contra aqueles que a utilizaram seja por desespero, seja por esperança. Porque se não sabem, não é tarefa do médico espalhar pânico, terror ou sinistralidade, a tarefa do médico é tratar para curar, e quando isso não for possível, dar conforto ou mesmo esperança, desde que não adquira lucro ou venda caro uma esperança inútil ou duvidosa. Deploravelmente durante a pandemia numa rotina macabra profissionais da área de saúde, inclusive médicos, se especializaram em publicar obituário diário, outros dissertavam sobre efeitos colaterais incomuns de drogas quando na verdade todas as drogas os possuem mesmo as de uso clinico seguro. Muitas pessoas continuam mantendo argumentos inflexivelmente surdos e inexplicavelmente exaltados (o que traduz falta de argumentos), confundindo tendenciosidades políticas com retalhos oportunos de ciência, querendo fazer sua vontade prevalecer. Não digo que o façam por convicções porque para se estar convicto de alguma coisa é necessário se basear em informações categóricas e elas simplesmente ainda não existem. Absurdamente alguns chegam a querer convencer (ou se convencer) que foram pressionadas a usar a droga sem citar nenhum fato que justificasse essa ideia, mesmo porque o Governo Federal não emitiu nenhuma proibição ou obrigação durante a pandemia ao contrário dos governos municipais e estaduais que abusaram da tirania e violência prendendo cidadãos inocentes e soltando criminosos perigosos.
Paradoxalmente a lógica da conveniência mudou no caso das vacinas. A ideia obtusa que o não vacinado representa perigo para o vacinado vingou no mesmo terreno onde a desconfiança da hidroxicloroquina se desenvolveu. A lógica do excesso se transformou na dialética da falta. Considerando essa mesma lógica todas as pessoas sem exceção deveriam ser vacinadas para influenza, varicela, meningites em geral já que a vacinação não garante nenhuma segurança se o vizinho também não se vacinar ou não responder aos apelos da mídia de se submeter a outras incontáveis e infinitas doses o que certamente vai elevando consideravelmente o valor das ações na bolsa de valores dos laboratórios fabricantes de vacina, ganho das comissões e propinas dos políticos e paralelamente, o que é mais mais grave a probabilidade de efeitos colaterais. Por acaso todos são obrigado a se vacinar contra tudo?
Na verdade, ninguém, nem mesmo a ciência, possui alguma certeza sobre o efeito das vacinas em plena pandemia já que o desenvolvimento de uma vacina contra um vírus no auge de uma epidemia é um fato inédito na história da humanidade. A Ciência neste momento está aprendendo. De modo que mais uma vez a combinação do desespero e da esperança encaminhou nossas almas e corpos a se tornarem cobaias humanas. Isso até se justificava no pico da pandemia, do salve-se quem puder, onde o benefício parecia ser infinitamente maior que o risco dos efeitos colaterais de uma vacina ainda pouco testada, mas agora o fiel da balança risco versus benefício se inverteu diante do esvaziamento dos hospitais e redução de casos de covid, principalmente de casos fatais. Aumentando o número de doses de um fármaco ainda pouco estudado (ressalto de novo que dois anos não significam absolutamente nada na ciência) numa população submetida a um risco menor e menos grave de infecção ou morte, a tendência penderá forçosamente para maior risco dos efeitos colaterais sobre o risco de contrair ou morrer de covid. Ainda mais, o conceito de que a vacina poderia ter reduzido o número de mortes é mais lógico e provável, porém o de ter encurtado o tempo de pandemia é mais difícil de se crer já que o tempo de pandemia foi extremamente semelhante ao tempo das pandemias historicamente conhecidas. De toda forma haverá muita dificuldade para a confirmação ou negação de ambas as hipóteses. O que sabemos através da história da humanidade é que todas as pandemias cessaram abruptamente seja pelo microrganismo responsável perder a sua virulência através das suas mutações que costumam ser menos mortais seja pelo esgotamento dos hospedeiros imunizados naturalmente (viés de sobrevivência: todos que eram suscetíveis a morrer pelo vírus fatalmente morreram).
Abramos um parêntesis para o termo mutação que é utilizado pela mídia de forma aterrorizadora, quando na verdade é só um mecanismo de adaptação dos seres vivos durante a evolução natural. Se considerarmos que o ser humano é o resultado de inúmeras mutações desde o primeiro antropoide, se julgarmos o que os seus descendentes estão fazendo com o planeta, a pandemia tem demonstrado que o uso depreciativo da palavra mutação está sendo bem aplicado.
Como o tempo ainda não foi suficiente para que qualquer verdade fosse estabelecida, fico admirado com as certezas incontestáveis que muitos demonstram sobre a pandemia como se tudo isso fosse uma competição esportiva entre rivais,. A única forma de encontrar as respostas significativas (para quem realmente quer encontra-las) é deixando que as dúvidas persistam e se multipliquem para que gerem hipóteses e que através do empirismo e da curiosidade gerem investigações com o mínimo de tendenciosidade (o viés), o que só será possível se as instituições sobreviverem à pandemia se mantendo livres de propósitos tirânicos alheios a liberdade de expressão e pensamento.
Quanto ao nível de evidencia, nunca foi nem será uma verdade absoluta. Enquanto esse instrumento cientifico depender de tantas variáveis (a maioria delas incontroláveis), de tantos outros instrumentos entre os quais emblematicamente a título de exemplo, a razão de chances (odds ratio), uma medida intuitivamente cientifica do acaso (isso mesmo da sorte e do azar), o nível de evidencia nunca será um instrumento definitivo porque que fique claro, o conhecimento cientifico é cumulativo e por isso transitório. Provavelmente somente as futuras gerações saberão a verdade sobre a pandemia e se no futuro a sociedade ainda for livre ou num cenário mais pessimista, voltar a ser livre (porque ninguém poderá comprar ou controlar as informações por tempo ilimitado) na pequena e improvável, mas não nula, possibilidade de que a hidroxicloroquina pudesse ter reduzido a mortalidade como é que a posteridade nos julgará pelas nossas paixões?
Autor:
Marçal de Oliveira Huoya
