Estava Carlos sentado na sala, tomando whisky e degustando charutos. Lia Nelson Rodrigues e suas peças teatrais. Punha-se a beber, a fumar e degustar as páginas lentamente. O ambiente era propício à solidão e ao pensamento. Não degustava apenas a bebida e o fumo, mas também as peças de Nelson Rodrigues.
Carlos vivia só, em uma casa grande, herança de seus pais. Era uma enorme casa, de diversos cômodos, bem arejada e com bastante espaço. Mas não recebia visitas, dificilmente. Fica só, degustando whisky, charutos e livros. Grandes obras dos grandes escritores, dos gregos aos brasileiros.
Às vezes, parava a leitura e encontrava-se pensando sobre os livros. No momento, era isso o que fazia. Contudo, não apenas nesse momento, mas sempre. Tinha Carlos 65 anos, aposentado, recebia uma boa pensão do INSS e morava só, em sua companhia e na companhia de Machado de Assis, Lima Barreto e demais escritores.
Quando mais jovem, no auge de seus 40 anos, Carlos não possuía o hábito de leitura. Vivia para o trabalho. Tempo não tinha para essas coisas. Trabalhava para o Estado, como servidor de um tribunal, comarca de uma pequena cidade. Leitura para Carlos, à época, era perda de tempo, porquanto não dava dinheiro.
Conforme o tempo passou, a idade chegou, ele se aposentou e não tinha companhia. Sua casa vazia, sem ninguém. Não teve filhos, não tinha esposa, uns relacionamentos esporádicos, apenas. Mas agora, não tinha mais ninguém.
Um dia, passando próximo de uma livraria, Carlos viu um exemplar de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Machado de Assis. Dizem ser grande escritor, quiçá o maior brasileiro em seu ofício. Carlos observou, esquadrinhou a obra, leu a sinopse e decidiu comprá-la. Pensou no caminho que livros não davam vintém. Mas o que tem? Já havia se aposentado, não havia mais o seu trabalho para se ocupar, porquanto já recebia o benefício do INSS.
Carlos chegou em casa, tirou os sapatos, trocou de roupa e pôs a água para ferver, com o fim de tomar um bom café – este gourmet, pó 100% arábico. Enquanto a água fervia, pegou a obra e pôs-se a ler. No começo não o cativou. Mas resolveu dar uma chance ao grande escritor.
Conforme o tempo passou, o barulho de fervura o acordou do êxtase em que ele estava. Foi coar o café, para tomar acompanhado de seu charuto. Coou o líquido. Retornou à leitura. Já havia passado de página 100, em poucas horas, percebeu. Estava extasiado com a leitura! Jamais pensaria que gostasse realmente disso. Para ele, no auge de seus 40 anos, não dava pecúnio. Mas em sua velhice, Machado lhe dava companhia.
Pausou a leitura. Havia passado da página 180. Não conseguia findar e descansar, pois estava vislumbrado com o universo machadiano. Esqueceu do café, que esfriou, e do charuto, que ficou lhe aguardando. A solidão produz estas coisas. Jamais pensou que faria uma atividade que não fosse pelo salário e interesses pecuniários. Todavia, finalmente encontrou companhia.
Conforme findou a leitura de Machado, foi à livraria comprar mais livros. E assim se inicia a história de Carlos com a leitura. Sentia-se ele solitário na velhice. Precisava de companhia, encontrando nos mortos, naqueles que se eternizaram nas palavras e em grandes obras. Leu de tudo: Homero, Virgílio, Dante, Camões, Dickens, Sheakspeare, Graciliano Ramos, Gabriel Garcia Marques e diversos outros escritores.
Carlos aprendeu que ante a solidão que o atormentava na terceira idade, Machado de Assis, Homero, Dante e Lima Barreto lhe faziam companhia. O major Policarpo Quaresma, Ulisses, Brás Cubas e Bentinho eram seus amigos. Acompanhava-lhes a vida, as suas histórias e não se sentia só. O ambiente era propício para o pensar e para a companhia, memso que só. Livros, charutos e whisky, uma socialização com os mortos eternizados nas palavras.
Autor:
Erick Labanca Garcia. Graduando em Direito do 5° Período UNIFAGOC, estagiou no Procon, estagiário da DPMG, escritor de artigos de opinião, ensaios e artigos científicos da área jurídica.