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domingo, 29 de junho de 2025

O LADO DE DENTRO DA VARANDA

Enquanto Ana ouvia blues em sua radiola de 1960 – uma verdadeira relíquia que ganhara de sua avó -, pensava no quanto a vida era cheia de nuances e contradições. Olhando atentamente de sua varanda, observou de um lado as paineiras bailando ao som do vento que as envolvia, despetalando e derrubando flor por flor de seus respectivos portos seguros, dando espaço para outras flores nascerem novamente, e de outro, o trânsito caótico e enlouquecedor onde era possível ver motoristas no auge da loucura ultrapassando, fechando ou buzinando para o outro com a finalidade de chegar aos seus respectivos destinos.

Sem dar direito a um descanso, a vida seguia seu curso, mostrando as proezas de cada cenário; nuns, encantando Ana, noutros, a surpreendendo com o seu caos.

Fitando o último cenário, não foi difícil para Ana recordar-se que por mais de três décadas fez parte dele onde a deixava extremamente estressada. Muitas vezes, o cansaço diário não estava nas tarefas que executava no seu trabalho, mas na dinâmica que era ter que enfrentar o trânsito por cem quilômetros diários. O esgotamento diário veio, o cansaço chegou e ela pôs fim naquele circuito que tanto a maltratava dia após dia.

Deixando um pouco de lado aqueles pensamentos, ela se deu a oportunidade de enamorar o que lhe era reservado naquele momento e focou sua atenção nas paineira e seus pensamentos fluíram no momento prazeroso que estava vivendo naquele instante, dando-se conta de que nunca tinha olhado com tanto carinho para os momentos simples da vida e, sorrindo sozinha, ficou grata por poder contemplar uma cena que tranquilizava sua alma. Ali ela teve a oportunidade de ver a vida com mais leveza e seu olhar desabrochou para outros cenários que realmente tinham outra conotação: acordar às seis da manhã por ouvir um galo ou passarinhos cantando e não um despertador estridente; tomar um banho para ela e não pela obrigação de ir para algum lugar; se vestir para si mesma, não se importando mais em como que as pessoas iriam avaliar suas vestimentas; calçar algo confortável ou ficar descalça mesmo e não um sapato lindo que a incomodasse o dia inteiro; sentir que todos os dias era uma linda sexta-feira em que tudo ou nada poderia acontecer; a sensação única de não fazer nada quando ela poderia fazer tudo. Foram tantos ganhos simples que Ana conquistou, tão simples, mas tão singulares que nem mesmo ela acreditou que poderia um dia ver o mundo por aquele prisma.

Ana, intimamente, agradeceu por essa virada de chave. Sentiu que ainda poderia ter tempo para desfrutar desses momentos simples e tão mágicos. Num cenário menos promissor, pensou que o tempo poderia ser seu algoz também, mas preferiu receber o que lhe era dado naquele momento: a tranquilidade de poder sentir o que jamais sentiu antes, a paz interior que ela sempre procurou e que estava diante de seus olhos o tempo inteiro e ela nunca tinha dado importância para isso.

Autora:

Patricia Lopes dos Santos

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