Quando tudo parecia fora do lugar, Luana encontrou na madeira uma forma de se reconectar consigo mesma. Hoje, é referência em um ofício ainda dominado por homens, e prova viva de que seguir o coração pode, sim, dar certo
Em um mundo onde o barulho das máquinas e o cheiro da madeira costumam ser associados a um universo predominantemente masculino, Luana Hazine fez diferente. Foi na marcenaria — entre ferramentas, tábuas e projetos autorais — que ela reconstruiu não só uma nova carreira, mas a si mesma.
O ponto de virada veio em 2017, após um episódio de burnout. “Me vi perdida, sem perspectiva, e sabia que precisava me reencontrar. Busquei cursos em várias áreas, mas sempre fui apaixonada por trabalhos manuais. Queria algo que me desafiasse, que fugisse do lugar-comum”, relembra.
Nesse mergulho interior, uma lembrança de infância voltou com força: o carrinho de rolimã que montou com amigos da rua. A alegria de criar algo com as próprias mãos acendeu uma chama. E foi assim, entre memórias e madeira maciça, que Luana começou a desenhar sua nova trajetória.
Desde então, já são oito anos de dedicação — aprendendo e ensinando todos os dias. Mas o caminho, como era de se esperar, foi repleto de obstáculos. Para além dos desafios típicos de qualquer profissional autônomo, ela teve que enfrentar o preconceito de gênero e conquistar, aos poucos, o respeito e a confiança no setor. “Ser uma mulher que trabalha com técnicas tradicionais não foi simples. Abrir mercado, conquistar clientes e encontrar minha linguagem também levou tempo.”
Nesse percurso, grandes mestres surgiram como bússolas. Morito Ebine, referência na marcenaria japonesa, e Helen Welch, marceneira inglesa e mulher negra, são nomes que tocam Luana de forma especial. “Quando vi o trabalho da Helen, me senti representada. Isso faz toda a diferença”, diz.
A primeira peça criada por Luana foi a bandeja Date — pensada para seu próprio uso. Um design simples, elegante e funcional, com um encaixe para taça de vinho que evita acidentes. O sucesso foi imediato: até hoje, é o item mais pedido em sua oficina. E também um símbolo de seu estilo: autoral, afetivo e atento às necessidades reais das pessoas.
Luana acredita que o ofício de marceneira vai muito além da técnica. “É um processo contínuo de aprendizado e criação. Conviver com mestres e colegas me impulsiona a experimentar mais.” E, depois de anos conciliando a marcenaria com a carreira em marketing, decidiu há três meses se dedicar integralmente à arte com madeira — embora ainda mantenha uma consultoria para pequenos negócios e profissionais autônomos. “Uni os dois mundos. Hoje, consigo equilibrar minha paixão com o conhecimento que já tinha.”
Mais do que criar móveis funcionais, Luana imprime em suas peças uma forte conexão com sua ancestralidade. Elementos afrocentrados e símbolos de sua trajetória pessoal aparecem de forma sutil e potente. “Quero que as pessoas sintam que ali tem mais do que utilidade. Tem história. Tem identidade.”
Para quem deseja seguir por esse caminho — especialmente outras mulheres — ela deixa um conselho simples e poderoso: “Comece. Não importa com o que, nem como. Eu comecei com uma serra tico-tico e um sonho. Hoje, vivo disso. E posso dizer, com certeza: marcenaria é para quem quiser.”
Autora:
Gabriella Torres